Se você é um jovem acabado de concluir os estudos, cheio de ambição, ideias criativas, com um desejo ardente de conquistar muitas coisas boas na sua vida, mas, eis que há uma coisa que o faz hesitar: "O medo de fazer asneira."
Como se pode superar esta dificuldade e ganhar alguma coragem?
Não precisa exactamente de "coragem"- precisa de auto-confiança. Sem ela não vai a lado nenhum, mas isso você já deve saber.
Apenas você sabe porquê e como a auto-confiança o iludiu até agora. Talvez não tenha nascido com muita, já que, ao que parece também é uma questão de genética. Mas, indiscutivelmente, a auto-confiança é uma característica que pode ser desenvolvida. Alguns recebem-na no colo da mãe, onde ouvem pela primeira vez a feliz notícia de que todos os seus comentários brilhantes o qualificam para o prémio Nobel, ou que são mais altos, mais inteligentes e certamente mais bonitos do que todas outras crianças do bairro. Outros ganham-na com as boas notas que os distinguem, ou no desporto na escola, quer marquem golos ou sejam capitães. Mas não existem regras onde começa a auto-confiança. Conheci um jovem empreendedor de 32 anos que ganhou auto-confiança ao ver o pai a lutar para iniciar uma pequena empresa do ramo alimentar. Hoje, este jovem corajoso, tendo terminado a sua licenciatura, está a meio do processo de iniciar a sua própria empresa internacional de tecnologia e não vê limites para o futuro.
Também conheci um gestor de uma grande empresas Agro-Alimentar que conquistou a sua primeira grande dose de auto-confiança na adolescência, quando aprendeu a manobrar um pequeno tractor agrícola e a cultivar um pedaço de terra que tinha junto à casa dos seus pais lá na aldeia. "Depois disso", contou-me, " pensava que podia fazer tudo."
Podia? Claro que não. Durante a sua longa carreira, de certeza que este gestor do ramo Agro-Alimentar fez muitas vezes asneiras. Ele iniciou uma empresa de comunicação no último ano da universidade, desenvolveu-a até ter cerca de cinquenta colaboradores e dois milhões de euros em vendas; perdeu-a numa batalha legal dolorosa e prolongado com um antigo sócio. Anos mais tarde tentou iniciar uma empresa de distribuição, que sobreviveu seis meses. Mas se esses incidentes geraram medo, o profundo reservatório de auto-confiança deste empreendedor ultrapassou todos os receios.
Precisa começar a criar um reservatório desse tipo para si, mesmo que tenha de ser a partir do nada.
Como? Não com planos grandiosos engendrados para catapultá-lo para a fama e a fortuna e para reprimir, de uma vez por todas, o seu medo de falhar. Muitos acreditam que um grande sucesso público resolverá os seus problemas de auto-confiança para sempre.
Isso apenas acontece nos filmes.
Na vida real, é a estratégia oposta que funciona. Chamemos-lhe "abordagem pequenas vitórias".
Para começar, estabeleça um objectivo realista, seja no trabalho ou em casa. Mantenha esse objectivo alcançável e controlado; não estique demasiado as expectativas em relação a si próprio logo na primeira vez.
Depois atinja esse objectivo e sinta-se bem. Deve fazê-lo.
A seguir, estabeleça um objectivo ligeiramente maior, algo de certo modo mais arrojado que seja um desafio suficiente para colocá-lo ligeiramente fora da sua zona de conforto. Atinja esse objectivo e sinta-se melhor ainda. E assim em diante, até estar numa marcha lenta e constante para a frente, construindo auto-confiança passa a passo. E esta desenvolver-se-á.
Há cerca de 30 anos fiz o meu primeiro discurso em público numa Conferência de Vendas na empresa onde trabalhei. Foi um acontecimento estranho, que estimulava em mim algum pânico.
Acreditem que treinei fortemente em frente ao espelho durante semanas, na esperança de não gaguejar.
O discurso durou apenas 10 minutos; contudo; foram (alegadamente) os mais longos alguma vez vividos.
Não há nada mais eficaz de que enfrentar um desafio progressivamente, crescendo e aprendendo em todas as vezes. Depois de eu ter feito discursos durante vários anos para variados tipos de audiências, hoje responder a perguntas sem anotações, à frente de muitas pessoas, é já para mim o oposto do pânico; é divertido.
Mas, sem dúvida, irá fazer asneiras pelo caminho à medida que tenta desenvolver a sua auto-confiança. Nenhum dos discursos que eu fiz foi melhor do que o anterior e ainda levou muito tempo até sentir-me confortável a falar em público. Mas quando a sua pequena vitória afinal for uma pequena derrota, não volte a um estado de medo. Mergulhe dentro desse reservatório, tente compreender o que se passou de errado, estabeleça outro objectivo e comece de novo.
O processo nunca terá verdadeiramente um fim. À medida que o tempo avança, os seus objectivos serão cada vez maiores. E o insucesso, que também acontecerá ocasionalmente, parecerá cada vez menos algo a recear.
Com o tempo, descobrirá que o insucesso apenas lhe ensina algo que precisava de saber - assim, pode reorganizar-se e desafiar-se de novo, cada vez com mais...coragem.
Jorge Neves
O que devo fazer com a minha vida?
Foi com esta pergunta que numa manhã de Domingo a minha filha Ana me brindou há cerca de dois anos atrás.
Completava Ela: «Acabei a licenciatura e quero saber como é possível perceber o que hei-de fazer com a minha vida. Tenho lido bastante e participado em inúmeras actividades para ver se me ajudam a decidir, mas nem sequer consegui ainda dar o primeiro passo no percurso da minha carreira. Pai... Podes-me ajudar?»
Confesso que fiquei alguns momentos paralisado a reflectir sobre o assunto. O que me ocorreu passados uns minutos foi ajudá-la essencialmente ao dizer-lhe que não está sozinha. Prosseguindo, disse-lhe que muitos jovens sentem-se confusos no início da sua carreira. Vêem muitos dos seus amigos e colegas arranjar empregos de progresso rápido - ou pelo menos assim parece. Ouvem os pais dizer-lhes para trabalharem aqui ou ali, para tirarem Mestrados ou outra especialização. E tal como a Ana, lêem livros e participam em programas criados para os ajudar na resposta à pergunta de "O que devo fazer com a minha vida?"- mas a abundância de respostas apenas confunde mais as coisas. É suficiente para os fazer entrar em pânico, o que parecia ser o caso da Ana. Isso não faz mal; é natural. Mas não a ajuda a avançar.
Para isso tem de aceitar o facto de a maioria das carreiras não se iniciar com uma grande decisão sobre onde quer ir e com um jogo inteligente sobre como chegar até lá. Não, a maioria das carreiras são cíclicas. Começam com um emprego que pode combinar bem com as suas competências, interesses e objectivos. Geralmente, esse emprego acaba por não ser exactamente o certo, e, então, leva-a a outro emprego que, de certo modo, é mais adequado, que a conduz a outro emprego ainda mais adequado. E por aí em diante, até que um dia - geralmente anos depois de ter começado - vai estar no emprego que, na verdade, esperou durante toda a sua vida, o emprego que lhe transmite significado e objectivos. O emprego de que desejava ter tido conhecimento quando começou, mas tal era impossível - simplesmente porque ainda não tinha começado a trabalhar.
Mas, também tem de estar ciente, que esse mesmo emprego "perfeito" não estará isento de dificuldades e tribulações. Pode estar lá seis meses e depois apanhar um chefe horrível. Ou a empresa pode ser comprada e a sua função mudar ou acabar por completo. E, como tal, o processo terá de recomeçar.
O que quero dizer é que as carreiras são longas e imprevisíveis. Raramente são lineares. Andam aos "ziguezagues", param e começam, e dão muitas voltas inesperadas. O trabalho é árduo e o talento são importantes e a sorte também desempenhará o seu papel.
Para a Ana nessa altura, o essencial era começar. Aconselhei-a a informar-se sobre empresas (em Portugal ou fora) com índices de crescimento, tendências de mercados emergentes, pessoas influentes e novos fenómenos culturais. Que faça perguntas. Que reflicta sobre tudo, com a cabeça e com o coração. Que Aja-Aceite um primeiro emprego, mesmo que esteja longe do ideal. Apenas tem de ser um emprego para começar.
O emprego que a chama - a carreia para a qual está destinada - surgirá. Fará parte de um processo de vida que irá percorrer, como a maioria de todos nós, dando um passo de cada vez.
Foi desta maneira que procurei ajudar a minha filha Ana nessa manhã de um Domingo no ano de 2011.
Jorge Neves
Há cerca de um ano acompanhei de perto uma questão muito comum nas empresas; em particular as de pequena e média dimensão.
Dizia-me um dos sócios gerentes: «A nossa empresa emprega cerca de uma centena de pessoas e tem uma longa história de especialização técnica e industrial no ramo agro-alimentar, mas curta em termos de marketing. O meu problema é o seguinte: actualmente temos produtos que são na sua concepção tecnicamente perfeitos, mas os clientes não estão a comprá-los nas quantidades desejadas (preferem outras soluções fabricadas pela concorrência). Obviamente de modo a permanecer-mos competitivos, temos de reduzir o preço, mas não vejo como. Os nossos custos são tão bem geridos que recorrer a outsourcing não tem razão de ser. Além do mais, dispomos da mais adequada tecnologia de fabrico. O que devo fazer?»
Para alguém numa empresa com apenas uma centena de pessoas, até parece que apresenta um dos sintomas mais comum da infecção que ataca as grandes empresas: a síndrome do "não foi inventado aqui" NIA.
Você conhece o NIA?. É quando os gestores se sentem tranquilos com a ideia de que a sua empresa está no melhor do seu desempenho - tão tranquilos, aliás, que criam um ambiente onde não existe um grande interesse em usar ideias de fontes exteriores para melhorar o modo como as coisas são feitas. Os gestores "NIA" acreditam que a empresa tem tudo controlado. Afinal, ela existe há já algum tempo e tem a sua quota de mercado. "É assim que fazemos as coisas aqui", gostam de dizer. E se alguém sugere uma nova prática, costumam responder com o refrão: "Já experimentamos isso."
A infecção que ataca as médias e grandes empresas, é, em geral, terrível. Juntamente com a complacência da NIA os seus outros sintomas incluem inércia, burocracia e aversão ao risco. Destrói organizações e suga a competitividade directamente das veias.
Por isso vou falar das curas.
Aliás, observemos a situação. Dizia-me o gerente dessa empresa agro-alimentar que tem os custos tão controlados que é impossível diminuírem mais, mesmo com outsourcing. Também parece acreditar que tem a melhor tecnologia disponível, afastando ainda mais a necessidade de procurar alternativas fora da sua empresa. No global, ele parece estar verdadeiramente num impasse com o seu problema.
Mas talvez ele não veja a solução por estar tão concentrado a olhar para dentro. Para mim o seu problema parece ser muito simples. Ao que parece, um ou mais concorrentes fabrica produtos melhores e mais baratos e coloca-os no mercado mais rapidamente. A solução também parece ser simples: porque não esquecer a ideia de que já tentou tudo e tentar mais que tudo?
Basicamente estou a falar da inovação. As empresas têm de estar obcecadas com a procura de um novo processo, produto, serviço que crie uma proposta de valor que o mercado queira, desesperadamente, comprar. Talvez uma nova tecnologia seja necessária para progredir - algo que se possa desenvolver ou adquirir a outra empresa através de uma licença, fusão ou aquisição. Com uma mente aberta, descobre-se que o mundo de possibilidades de progressos é enorme. Se um outsourcing for vantajoso é de avançar.
Ironicamente a grande vantagem deste exemplo é de ser uma empresa de média dimensão para ser atacada pela infecção das grandes empresas! Com cerca de uma centena de pessoas, devia agir com rapidez para desenvolver e avançar com novas tecnologias através de testes, ou comprar outra empresa com um excelente serviço suplementar, ou mudar de gestão de modo a trazer caras novas que consigam quebrar este paradigma. Não não se convenção que tudo o que já foi inventado foi na sua empresa, e que nada há mais a inventar. É um erro terrível crer que aquilo que NÃO é, foi ou será inventado dentro de portas, é irrelevante.
Jorge Neves
O que faria se descobrisse que os seus colaboradores têm tendência para confiar mais no instinto do que em factos relativizando o pensamento racional? Assim sendo, como pode explicar as suas decisões aos executivos da empresa?
Tem duas escolhas. Ou diz aos seus chefes: "o Martin tomou essa decisão com base no seu instinto comprovado"; ou, se o instinto do Martin tiver 50 por cento de hipóteses de acertar, na melhor das hipóteses, peça-lhe para parar de tomar decisões dessa maneira.
Regra geral o instinto não é algo de que se deva ter vergonha. Muito pelo contrário. É apenas um reconhecimento de padrões, não é? Já viu a mesma coisa tantas vezes durante a sua vida ou carreira, que já sabe o que vai acontecer outra vez.
O instinto, por outras palavras, é uma familiaridade profunda, talvez até inconsciente - o tipo de conhecimento que nos diz tudo desde "Avança agora" até "Nem pensar - nunca." Contudo, aposto que a decisão intuitiva mais comum se encontra entre os dois pólos - a reacção "Oh-Ou", na qual o nosso estômago nos informa que algo não está certo e que devemos descobrir o que é.
O segredo em relação ao instinto é, obviamente, saber quando confiar nele. É uma decisão fácil quando descobrimos, ao longo do tempo, que o nosso instinto geralmente está certo. Mas adquirir tal confiança pode demorar anos de experiências e erros.
Atá chegar a esse ponto sugiro o seguinte método prático: as decisões de instinto são, normalmente, bastante úteis no que diz respeito a avaliar negócios e menos úteis no que diz respeito a escolher pessoas.
Não, não estou a misturar as coisas. Embora os negócios cheguem até si com todo o tipo de análises de dados e previsões quantitativas detalhadas e as decisões sobre pessoas pareçam muito mais qualitativas, os números que suportam os processos de aquisições são apenas projecções. Às vezes, essas projecções são sensatas mas, noutros casos, não são muito mais do que um desejo. Alguma vez lhe apresentaram um negócio com uma projecção de taxa de rentabilidade interna inferior a 20 por cento? Nunca! Bem, às vezes isso acontece porque um negócio é fantástico. Mas outras vezes acontece que quem propõe o negócio ajustou o valor residual do investimento de forma a que as receitas reflectissem as suas esperanças e desejos.
Por isso, no que diz respeito a analisar negócios, preste atenção aos números. Mas certifique-se de que o seu instinto também desempenha um papel importante na decisão final. Digamos que lhe pediram para investir num novo edifício de escritórios, mas ao visitar a cidade vê gruas por todo o lado. Os números do negócio são perfeitos, dizem-lhe; é impossível perder. Mas o seu instinto diz-lhe o contrário - essa sobrecapacidade está a um ano de distância e o investimento "perfeito" está prestes a valer 60 cêntimos por cada euro. Tem poucos factos, mas tem a reacção "Oh-Ou".
A maioria das vezes, isso significa que deve cancelar o negócio, mesmo que isso enfureça os chamados pensadores racionais que estão a tratar do assunto. É provável que mais tarde lhe dêem o mérito pelo pensamento profético ( embora provavelmente com menos entusiasmo público do que desejaria).
Pelo contrário, confiar no nosso instinto durante o recrutamento nem sempre é uma boa ideia. A razão: o nosso instinto, frequentemente, faz com que nos apaixonemos por um candidato demasiado depressa. Vemos um currículo perfeito, com escolas de prestígio e uma vasta experiência. Vemos uma pessoa simpática que diz as coisas certas durante a entrevista. E mesmo que não o admitamos, demasiadas vezes também vemos uma pessoa que depressa irá conseguir acabar com um problema, nomeadamente o de um importante cargo em aberto. Por isso, com o nosso instinto a pressionar-nos, avançamos para a contratação. Vemos esta dinâmica em acção sempre que alguém nos telefona a pedir referências. Começam por afirmar com firmeza que apenas querem uma opinião sincera sobre o candidato em questão mas, assim que começamos a manifestá-la, conseguimos senti-los a desvanecer. A sua voz fica tensa; é quase como se dissessem: "Oh, por favor não me diga isso! Tudo o que precisava de si era uma aprovação!" Desligam o telefone o mais depressa possível.
Então, no que diz respeito às decisões de recrutamento, será melhor pedir aos seus colaboradores que consigam reunir o controlo da dúvida e a verificação do instinto, tal como você deve fazer. Isso significa procurar dados extra acerca de cada candidato. Vá para além do currículo. E, sim, faça chamadas para confirmar referências - e certificar-se de que se obriga a ouvir com atenção, especialmente mensagens contraditórias e revelações desagradáveis.
De um modo geral, as decisões de instinto assumem realmente um papel verdadeiro nos negócios. Não se preocupe muito em explicar isso aos seus chefes e aos accionistas. Eles também usam os seus instintos.
Jorge Neves
Se os RH são a parte mais poderosa de uma organização, como dizem sempre, porque é que o seu impacto é apenas sentido de modo negativo?
Porque em muitas empresas, infelizmente os RH não funcionam correctamente - ou operam como se fossem uma sociedade secreta ou espectáculos de riso e choro. Estes são exemplos extremos, é claro, mas, se há alguma coisa que aprendi durante a minha carreira profissional e pelas viagens contactos que fiz, é que os RH raramente funcionam como deviam.
Isto é um escândalo e é ainda pior pelo facto de que a maioria dos líderes não andar apressada a tentar resolver a situação.
Sem rodeios: os RH deviam ser a única aplicação invencível de qualquer empresa. O que pode ser mais importante do que quem é recrutado, desenvolvido, promovido ou convidado a sair? No fim de contas, os negócios são um jogo e, como em todos os jogos, a equipa que põe as melhores pessoas em campo e a jogar em conjunto vence. É tão simples quanto isso. Nunca se aperceberia disso, porém, ao olhar para as empresas hoje em dia onde o director financeiro é o rei supremo e os RH são relegados para segundo plano. Não faz sentido. Se fosse dono do Benfica, por exemplo, passaria e seu tempo com o contabilista ou com o director de pessoal incluindo os atletas? Claro, o contabilista pode informá-lo sobre os aspectos financeiros. Mas o director de pessoal sabe o que é preciso para vencer: a qualidade de cada jogador e onde encontrar substitutos fortes para preencher as lacunas de talento.
É assim que os RH deviam ser.
Quando se pergunta à generalidade dos directores dos Recursos Humanos se nas empresas onde trabalham o CEO concede aos RH um lugar à mesa igual ao do director financeiro, a resposta é que não têm esse privilégio. É terrível!
Mas então porque é que os RH se tornaram tão marginalizados sabendo nós que existem apenas dois pólos de mau comportamento o "sociedade secreta " que acontece quando os gestores de RH se tornam pequenos fazedores dissimulados de "Reis", construindo e destruindo carreiras, por vezes nem sequer sob ordens do CEO. Estes departamentos de RH podem realmente ser poderosos mas, frequentemente, de forma prejudicial, levando as melhores pessoas a sair apenas para fugir da intriga palaciana. Muitas vezes, porém também encontramos o outro extremo:departamentos de RH que planeiam piqueniques, editam a newsletter da empresa e, em geral enlouquecem todos quando impõem regras e regulamentações que parecem não ter qualquer objectivo a não ser aumentar a burocracia. Retiram o pouco poder que têm do facto de serem a polícia que diz "não pode fazer isso."
Então como é que os bons líderes resolvem esta confusão?
Tudo começa com quem nomeiam para gerir os RH - nem fazedores de reis nem polícias, mas jogadores de primeira liga, pessoas de verdadeiro prestígio e credibilidade. Na realidade, precisam de encher os RH com uma espécie híbrida: pessoas que são metade pastor, que ouvem todos os pecados e queixas sem os recriminarem, e outra metade pais, afectuosos e protectores mas que nos castigam quando passamos das marcas.
Os pastores-pais podem ascender até aos RH e, na maioria dos casos, já geriram alguma coisa durante as suas carreiras, tal como por exemplo uma fábrica, ou ocuparam alguma função importante. Eles entendem o mundo dos negócios - o seu modo de funcionamento interno, a sua história e tensões e as hierarquias escondidas na mente das pessoas. São conhecidos por serem inflexivelmente francos, mesmo quando a mensagem é dura, e não divulgam confidências. De facto, com a sua perspicácia e integridade, os pastores-pais ganham a confiança da organização.
Mas os pastores-pais não passam o tempo a fazer com que as pessoas se sintam reconfortadas e felizes. Tornam a empresa melhor, porque acima de tudo ao orientarem um rigoroso sistema de apreciação e avaliação que informa todos na organização em que situação se encontram, e ao monitorizarem esse sistema com a mesma integridade de acordo com a boa governação e a ética nos negócios da empresa.
Os líderes devem também certificar-se de que os RH desempenham dois outros papeis. Devem criar mecanismos eficazes, como dinheiro, reconhecimento e formação, com o objectivo de motivar e reter as pessoas. E devem estimular as organizações a enfrentarem a suas relações mais tensas, tais como com sindicatos, aqueles que apresentam resultados insuficientes, ou "estrelas" que se estão a tornar problemáticas, por exemplo, ao "incharem" em vez de crescerem.
Este tipo de actividade de RH de grande impacto, parece provavelmente, um sonho irrealizável. Mas visto que a maioria dos CEO anunciam em alto e bom som que as pessoas são o seu "activo mais valioso" não devia ser assim.
Não pode ser. Os líderes têm de parar de falar e começar a agir e a pôr os RH a fazer o que lhes realmente compete: elevar a gestão de pessoal até ao mesmo nível de profissionalismo e integridade da gestão financeira.
Uma vez que as pessoas são o jogo, o que poderia ser mais importante?
Jorge Neves
Quando iniciei a minha vida profissional e assumi o cargo pela coordenação e orientação de equipas de vendas, acreditando profundamente no uso da franqueza, tinha medo de usá-la uma vez que nessa altura a maioria dos colaboradores tinham quase o dobro da minha idade.
Senti-me de facto desconfortável ao usar a franqueza com quem quase parecia ser meu pai, mas também tinha a certeza que os "velhos" detestam o uso da gíria, da ambiguidade e da linguagem evasiva. Aliás tendo eles sofrido com tudo isto durante décadas, é de esperar que aplaudissem o meu esforço por ser directo, especialmente depois de ter desaparecido o choque do primeiro impacto.
Choque porque, sem dúvida houve um período duro de adaptação quando comecei a falar directa e honestamente sobre o desempenho e resultados. A maioria independentemente da idade - não estava habituada. Mas tive de usar a franqueza de qualquer forma. No final a franqueza funciona sempre e torna sempre o trabalho melhor. Quando se prescinde de mensagens ambíguas e de avaliações de desempenho dissimuladas, uma equipa torna-se sempre mais rápida, mais criativa e mais enérgica. E, honestamente a franqueza é uma função de todos. Quando nos tornamos lideres de equipas de vendas, é nossa obrigação dizer a todos os que trabalham connosco e a cada um em particular, de como se encontram na organização. É assim que se constrói a melhor equipa e a que vence.
Esta questão do uso da franqueza não é de todo invulgar. Já ouvimos todas as desculpas possíveis para não se ser franco; vai por exemplo contra a cortesia, o igualitarismo, hierarquização e até a politização dentro das empresas, só para mencionar estas. Mas a questão da idade é de longe a razão mais comum para o desconforto.
Esqueça-a. Alguns "Cotas" podem, a princípio, estar contra, mas os realmente bons estão à muito mais tempo do que se pensa, à espera que chegasse a conversa sem rodeios.
Jorge Neves
Há dias numa conversa de café com amigo empresário no ramo da comunicação por fibra dizia-me o seguinte: «Lutamos muito para manter a empresa viável, mas agora é óbvio que o seu espaço de crescimento é muito mais limitado do que estávamos à espera. Devo desistir e começar de novo numa nova área ou manter-me no jogo da sobrevivência?»
O jogo da sobrevivência é uma chatice e isso é uma realidade no sector da tecnologia. Aliás, manter-se firme numa empresa de tecnologia de fraco crescimento é um caminho rápido para o inferno da comoditização, onde será forçado a aguentar uma dolorosa eternidade de conflitos devido ao baixo custo com fabricantes offshore. É um caminho a não percorrer.
Então, será melhor procurar-se uma nova área onde, juntamente com a equipa, poderá crescer e prosperar. Parece que a empresa do meu amigo tem um modelo de negócios em que a sobrevivência, pelo menos no futuro mais próximo, é uma opção. Isso são boas notícias. Significa que o seu desfio imediato será colher todos os frutos que conseguir retirar do que tem, de modo a que o cash flow continue a entrar. Entretanto, poderá num novo jogo, alocar os recursos para adquirir um negócio ou começar um de novo.
Mas nada disto pode parecer particularmente fácil ou agradável - sair de um negócio nunca o é - mas pode existir o consolo ao saber que a situação é totalmente comum.
O ambiente começa a mudar e de repente, um negócio pode já não fazer tanto sentido. Isto acontece todos os dias, em todo o mundo, não apenas em start-ups empreendedoras. Na verdade, é particularmente comum em empresas antigas e já estabelecidas, onde novas dinâmicas competitivas emergem aparentemente vindas do nada para contrariar o statu quo. Infelizmente, demasiadas vezes nas empresas, certos negócios tornam-se de tal modo em santuários que os gestores não reagem com o realismo lúcido que a conversa desse meu amigo empresário teve comigo.
A mudança exige que os líderes derrotem todo o tipo de dinâmicas totalmente humanas, como a inércia, o carinho pela tradição e a esperança de que as coisas melhorem. Os momentos estratégicos exigem uma espécie de coragem, ou pelo menos a falta de sentimentalismos, o que é raro. É nestes momentos que os melhores líderes encontram e fazem uma pergunta determinante que o grande Peter Drucker, colocou há mais de cinquenta anos: "Se ainda não tivesse o seu negócio,investiria nele hoje?" Se a resposta fosse não, disse Drucker, era necessário enfrentar outra pergunta difícil: "O que vai fazer em relação a isso?" Todos os líderes hoje devem prestar atenção aos seus conselhos e, se for necessário, segui-los até ao fim, quer isso signifique recuperar, vender, comprar ou fechar negócio.
Faça alguma coisa...Pois o perigo é não fazer nada!...
Jorge Neves
Quais são os factores cruciais a pôr em prática para transformar sustentavelmente uma empresa no "empregador favorito"? E qual será um prazo realista para o conseguir?
Numa empresa onde as pessoas querem mesmo trabalhar, tem-se nas mãos uma das vantagens competitivas mais poderosas neste jogo: a capacidade de recrutar e de colocar em campo a melhor equipa.
Antes de falar quais as seis formas de chegar a essa situação abençoada, uma resposta sobre quanto tempo leva este processo até chegar a empregador favorito.
Facilmente a resposta é anos e pode ser décadas ou mais. É assim que as coisas se passam com a reputação empresarial - constrói-se relatório anual após relatório anual, historial de carreira após historial de carreira, crise após crise (porque todas as empresas têm uma ou duas) e a recuperação após recuperação. Provavelmente demorou cerca de 30 anos para que a IBM ganhasse a reputação de empresa modelo dos anos 70, menos de uma década para a perder quando a empresa teve um deslize e depois cerca de uma década para a reconstruir até ao estatuto actual.
No mundo de hoje saturado de meios de comunicação existe uma excepção à habitual lentidão na construção de reputação. As empresas podem tornar-se os empregadores favoritos para os seus colaboradores praticamente de um dia para o outro graças ao factor "buzz" que é tão potente como de rápido efeito. Numa empresa baseada em tecnologia, o "buzz" geralmente está ligado a um progresso novo ou a um produto ou serviço que altera o paradigma vigente. A Google e a Apple são exemplos perfeitos. O "buzz" também pode surgir do facto de ter uma marca com glamour ou de prestígio como a Chanel ou a Ferrari.
Mas o factor "buzz" é tão raro como instável. A Aple tinha-o com a Mac, perdeu-a quando outros fabricantes de PC a ultrapassaram, mais tarde recuperou-o (e ainda ganhou mais algum) com o iPod. Esta história totalmente comum explica por que é que a maioria das empresas tem de se tornar num empregador favorito pela via antiga, arrancando-o a ferros ao longo do tempo.
Segue-se uma lista de verificação para avaliar o progresso num empresa.
Primeiro, os empregadores favoritos demonstram um verdadeiro empenho na aprendizagem contínua. Nada de adulações. Estas empresas investem no desenvolvimento dos seus colaboradores através de aulas, programas de formação e experiências fora da empresa, todos enviando a mensagem de que a organização está ansiosa por facilitar um percurso seguro para o desenvolvimento pessoal.
Segundo, os empregadores favoritos são meritocracias. Os salários e as promoções que estão muito relacionados com o desempenho e os sistemas de avaliação rigorosos informam, constantemente, em que situação os colaboradores se encontram. Tal como em qualquer empresa, quem você conhece e a escola que frequentou podem ajudá-lo a entrar numa meritocracia. Mas, no fim de contas, o que importa são os resultados. Mas por que é que tudo isto torna uma empresa na "favorita" para se trabalhar? Muito simplesmente porque estes ambientes atraem sempre quem é mais inteligente, tem autoconfiança e espírito competitivo.
Terceiro, os empregadores favoritos não só permitem que as pessoas corram riscos, como também comemoram com aqueles que o fazem e não martirizam os outros que não têm sucesso ao tentar. Tal como nas meritocracias, uma cultura que encoraja correr riscos atrai exactamente o género de indivíduos criativos e ousados que as empresas querem e de que necessitam num mercado global onde a inovação é a melhor defesa contra a inflexível concorrência de preços.
Quarto, os empregadores favoritos compreendem que o que é bom para a sociedade é bom para os negócios. Sexo, raça e nacionalidade nunca são limitações; são importantes as ideias de todos. Os empregadores favoritos têm uma perspectiva variada e global e têm práticas sensíveis ao ambiente. Oferecem flexibilidade de horários de trabalho àqueles que o ganham através do seu desempenho. Como resultado, os empregadores favoritos são esclarecidos.
Quinto, os empregadores favoritos mantêm rigorosos os seus padrões de recrutamento. Fazem os candidatos trabalhar arduamente, exigem um processo de entrevista penoso e critérios rígidos ao nível da inteligência e da experiência anterior. Este factor é quase como um círculo vicioso,visto que é difícil poder ser exigente antes de ser um empregador favorito! Mas vale a pena o esforço. Já que o talento tem uma forma estranha de atrair,bem, talento.
Sexto e último, os empregadores favoritos são rentáveis e estão em crescimento. Um aumento do preço das acções é, verdadeiramente, um íman de recrutamento. Para além disso, apenas as empresas de sucesso podem oferecer-lhe um futuro, com ascensão de carreira e o potencial aumento de recompensas financeiras. De facto, uma das coisas mais estimulantes que uma empresa pode dizer a um potencial colaborador é: "Junte-se a nós para a viagem da sua vida."
Jorge Neves
«O nosso grande problema é o Albino, um dos gerentes que acabou de arruinar um grande projecto e não entende os prejuízos que causou. O meu instinto diz-me que o Albino deve ser despedido, mas a sua ausência pelo menos no início, irá afectar-nos. O Albino é um especialista técnico que está connosco desde o início. Porém, o seu mau estilo de gestão e alguma ausência de valores bem como a sua agenda dupla, atingiram um ponto insustentável. O Albino acredita que a década que passou ao serviço da empresa e a sua "lealdade" o protegem. É de concordar até certo ponto, mas é lícito que o desempenho seja mais importante. O que deve ser feito?»
Era assim que há dias uma amiga minha numa conversa de café, desabafava comigo.
As empresas pequenas ficam numa situação injusta quando se trata de despedir alguém. As grandes empresas podem adiar o processo durante muito tempo; existem outros colaboradores para encobrir os seus erros. E quando alguém com um desempenho fraco é finalmente convidado a sair da grande empresa, ele ou ela pode geralmente sair por uma porta lateral sem deixar nenhum trauma ao indivíduo, organização ou trabalho.
Em empresas pequenas, pelo contrário, os erros dos profissionais com mau desempenho atingem normalmente de forma forte e rápida o limite do aceitável.
E, de igual modo, quando chega a altura de os despedir, há algo que torna a situação bastante pessoal. Um despedimento pode parecer uma morte na família. Já para não falar no impacto que terá no trabalho. Mesmo se o colaborador despedido era mais mau do que bom, o seu afastamento pode afectar significativamente as operações, sem falar nas relações com os clientes.
Mas como se consegue perceber que o Albino com a sua responsabilidade de gerência, mesmo que leal e com algumas provas dadas, mas que não vive a missão e os valores da empresa deve sair?
Existem apenas quatro tipos de gestores no mundo, classificados pelo seu nível de desempenho - isto é, de conquista de resultados - e pelo modo como demonstram valores importantes como a franqueza e resposta aos clientes.Quando os gestores têm grandes resultados e aceitam os bons valores, é fácil. Devem ser elogiados e recompensados em todas as oportunidades. Gestores com maus resultados mas bons valores merecem outra oportunidade, talvez noutro cargo dentro da organização. O terceiro tipo de gestor, com bons resultados e maus valores, é o tipo que geralmente destrói organizações. Ele cumpre o trabalho mas, regra geral, à custa de outros. Frequentemente, as empresas mantêm estes idiotas durante demasiado tempo, destruindo a moral e a confiança.
O Albino é o tipo de gestor com o qual é mais fácil lidar. Ele tem um fraco desempenho e valores fracos. Tem uma agenda dupla. Não só estraga projectos importantes como também tira proveitos próprios enquanto faz jogos duplos. É "leal" diz ele. Não parece que seja assim.
O jogo acabou. Pode sentir falta dos conhecimentos do Albino até encontrar um substituto, mas, quando finalmente tiver coragem de cortar o "cordão", vai pensar porque que é não o fez mais cedo.
O quarto tipo de gestores, são aqueles que geralmente cumprem objectivos mas à custa dos outros. Estes destroem a moral e a confiança.
Digamos que o Albino é um misto do tipo três e Quatro.
Jorge Neves
Os cortes forçados nos orçamentos relegam os políticos para uma posição de meros administradores da penúria. Já só lhes resta então reportarem-se aos poderes superiores do progresso económico para rejeitarem as suas responsabilidades pela miséria. Tal atitude mina a base do Estado democrático. Mas os problemas financeiros crónicos são somente mais um dos sintomas do declínio político, entre tantos outros. Depois da soberania monetária e fiscal, está a vacilar mais um pilar do Estado-nação: o monopólio da força armada. É que, tal como os bancos e os grandes grupos, também as multinacionais do crime beneficiam com o desaparecimento desses vínculos legais que refreavam a economia. Na totalidade dos países europeus, as autoridades políticas e judiciais evocam o rapidíssimo crescimento da criminalidade organizada - «O que é bom para o comércio livre também o é para os criminosos», constata com grande lucidez um funcionário da Interpol.
Já nos finais dos anos 80 as sete maiores nações económicas reuniram um grupo de peritos. Segundo esta comissão, já em 1990 o volume de negócios do mercado da heroína tinha duplicado relativamente à duas décadas atrás, enquanto o comércio da cocaína se viu multiplicado por cinquenta. E quando se sabe vender drogas, é possível instalar-se em qualquer mercado ilegal. Os cigarros que não pagam impostos, as armas, os veículos roubados e a introdução de imigrantes clandestinos estão hoje a ascender ao lugar que o tráfico de droga tem ocupado no pódio das fontes de rendimento da economia clandestina.
Seja como for neste mundo do comércio ilegal, e tendo em conta o aumento exponencial dos volumes comerciais, a polícia não consegue controlar senão uma fracção do contrabando. Mas estas apreensões não prejudicam muito o comércio clandestino: os investigadores apenas conseguem prender os distribuidores e os transportadores. Os organizadores, respeitáveis homens de negócios, são absolutamente intocáveis. Conhecem-se os nomes das pessoas, mas não as podem ou não querem apanhar. De facto não são acessíveis: nas suas fronteiras, o mais tardar, a colaboração policial internacional fica suspensa.
Há outra realidade que provoca ainda mais dores de cabeça aos investigadores: tornou-se impossível deita a mão à fortuna dos grupos criminosos. Qualquer que seja a eficácia do trabalho da polícia e da justiça, os lucros acumulados permanecem intocáveis no espaço sem direito do mercado financeiro global. O segredo bancário das zonas de evasão do capital, que a comunidade financeira internacional defende com unhas e dentes, não protege apenas os que se furtam fraudulentamente ao fisco. Não é por acaso que os principais paraísos fiscais se desenvolveram ao longo dos grandes itinerários do tráfico de droga. «O Panamá e as Baamas são conhecidos como centros de branqueamento do dinheiro proveniente do tráfico da cocaína. Hong Kong desempenha o mesmo papel para os lucros realizados graças ao comércio da heroína proveniente do Sudeste Asiático, enquanto que Gilbraltar e Chipre servem de porto de abrigo ao capital dos traficantes de droga do Próximo Oriente e da Turquia», afirma a economista britânica Suzan Strange, resumindo assim a a função das praças offshore na economia clandestina. Dito isto, nenhuma lei contra o branqueamento do dinheiro, por mais rigorosa que seja, pode travar o trabalho de sapa efectuado pelos investidores criminosos contra os os sectores legais. «Hoje em dia, quando se quer lavar dinheiro adquirido de forma criminosa , é possível fazê-lo sem dificuldades quase no mundo inteiro. As consequências são aterradoras . Actualmente, os peritos consideram que a criminalidade organizada é o sector económico que se desenvolve mais rapidamente, com lucros anuais na ordem de biliões de Euros.
Quanto mais capital os carteis do crime acumulam mais possibilidade têm de corromper e até assumir integralmente o controlo de empresas legais e de certas instâncias do Estado. O fenómeno é tanto mais inquietante quanto o Estado em certos países está fracamente desenvolvido. Em vários países a actividade comercial ilegal e a actividade legal intersectam-se constantemente. Ninguém consegue já dizer quais os elementos do aparelho de Estado que ainda defendem o direito ou se contentam, a pedido dos criminosos, em conduzir uma guerra contra os seus concorrentes. Veja-se o exemplo da Itália, que apesar das operações espectaculares , não consegue ganhar a sua batalha contra a máfia. O capital dos antigos patrões da máfia passou, sem fricçõe, para as mãos dos herdeiros desconhecidos que tiveram de modernizar as suas organizações.
Partindo do seu país de origem, apoiadas pelos seus bancos , as redes criminosas vão- se pouco a pouco infiltrando nos Estados ricos que ainda parecem funcionar de forma correcta.
A fronteira entre legalidade e clandestinidade na vida dos negócios está cada vez mais esbatida. Desconhecendo quem dirige verdadeiramente as empresas, até grupos e bancos sérios podem ver-se envolvidos em negócios obscuros. Quando uma empresa concorrente controlada por criminosos utiliza métodos ilegais, os colaboradores das empresas regulamentares sente-se tentados a recorrer a estas técnicas por sua própria conta e risco. As quantias utilizadas para a corrupção não têm limites e também elas fazem com que se esqueçam muitos escrúpulos.
Em todo o mundo, o Estado e a política encontram-se assim cada vea mais na defensiva. Mesmo as leis anti-cartéis, que outrora foram as defesas da economia de mercado contra os conluios impostos pelos empresários à custa dos consumidores ou dos contribuintes, perdem parte do seu efeito.
Também a política do ambiente foi posta na gaveta. Na competição a que se entregam os Estados para recuperarem os postos de trabalho proporcionados pelos grandes grupos, a maior parte dos governos abandonou ou adiou todos os projectos de reforma ecológica.
A catalogação destes fracassos do Estado face à anarquia do mercado poderia ser prolongada quase ao infinito. Pouco a pouco, no mundo inteiro, os governos vão perdendo a faculdade de intervirem na evolução da sua própria nação. Em todos os planos se vê surgir o erro sistemático da integração mundial: enquanto o fluxo de mercadorias e do capital ficou disponível do mundo inteiro, a regulamentação e a supervisão permaneceram uma questão nacional. A economia está a devorar a política.
Porém, contrariamente a uma ideia largamente difundida, a crescente impotência do Estado de forma alguma leva a um emagrecimento geral do aparelho de Estado e ainda menos, ao contrário do que supunha o visionário japonês e antigo director da McKinsey na Ásia, Kenichi Ohmae, ao «fim do Estado-nação». É que o Estado e o seu governo continuam a ser a única instância junto da qual os cidadãos e os eleitores podem reclamar justiça, exigir contas e reivindicar mudanças. A ideia de que a união dos grupos mundiais poderia por si só assumir as funções até agora reservadas ao Estado, como anunciava numa reportagem de manchete a revista norte-americana Newsweek, é uma ilusão. Nenhum director de um grupo, por mais poderoso que seja, consideraria sequer a hipótese de assumir a responsabilidade por evoluções que se processam fora da sua empresa. Não é para isso que lhes pagam. Os responsáveis dos grandes grupos são os primeiros a exigirem a intervenção do Estado em caso de incêndio. Daí que em muitos locais não se assista ao desmantelamento geral da administração burocrática, mas sim ao seu fortalecimento
Estará o mundo a dirigir-se para uma colaboração global que terá como objectivo salvar a estabilidade social e ecológica? Serão apenas necessários mais uns quantos empurrões para que a governação global se torne uma realidade? Se só olhássemos para o número de conferências científicas e das publicações sobre este tema, crer-nos-íamos já a dois passos da entrada numa nova era. Mas os resultados obtidos continuam a ser decepcionantes.
Jorge Neves
O modelo de civilização outrora inventado na Europa demonstrou sem dúvida ser de um dinamismo e de uma eficácia sem concorrência. Mas não é capaz de modelar o futuro. «A melhoria sensível do nível de vida» que «a alta da produção industrial» haveria proporcionar a todos nos «países subdesenvolvidos» tinha tinha sido anunciada aos pobres do mundo pelo presidente Harry Truman, em 1949. Porém, de facto não teve lugar.
É justamente agora - quando milhões e milhões de pessoas unidas pelo mundo das imagens procuram, de Bogotá a Jacarta, atingir o modelo ocidental - que os vendedores dessa promessa de desenvolvimento rescindem o contrato. Mesmo nos seus próprios países, nos Estados Unidos e na Europa, são incapazes de manter a sua promessa e não conseguem travar uma diferenciação social que não cessa de aumentar. Nestas condições, quem se preocupa ainda com a conciliação do crescimento e do ambiente ou com a repartição das riquezas de forma equitativa no Terceiro Mundo? O dogma autoritário do crescimento surge cada vez mais como a arma de uma época já passada: fazia parte do arsenal da guerra fria. Segundo esta lógica, hoje parece só servir como peça de museu.
Salve-se quem puder! - eis a nova palavra de ordem. Mas... quem poderá? É que a vitória do capitalismo não assinalou apenas esse «fim da história» que o filósofo norte-americano Francis Fukuyama proclamava em 1989 - pôs também fim a esse projecto a que, com tanta temeridade, se tinha dado o nome de «modernidade». Estamos no começo de uma mudança de época de dimensões mundiais: com toda a evidência, já não são a expansão e a prosperidade, mas o declínio, a destruição ecológica e a degenerescência cultural que a caracterizam a vida quotidiana da maior parte da humanidade.
Elites mundiais apontam para a sociedade dos dois décimos, em particular nus Estados até agora prósperos. À escala mundial, há já muito tempo que o desequilíbrio se instaurou.
Os dados são conhecidos, mas as forças da globalização, uma vez libertadas, fá-los-ão surgir sob uma nova luz: Um quinto dos Estados do planeta (os mais ricos, evidentemente) produzem cerca de 85% do produto mundial bruto, os seus cidadãos efectuam 84% das transacções mundiais e possuem 86% de toda a poupança interna. Desde 1970, a diferença entre o quinto país mais rico e o mais pobre mais do que duplicou - outro testemunho do fracasso de uma politica de ajuda ao desenvolvimento que prometia equidade. E este fracasso está bem expresso nos números e nas desigualdades que existem actualmente.
O modelo global de consumo de recursos não foi alterado depois da espectacular conferência do Rio de Janeiro, em 1992, uma manifestação organizada pela ONU e consagrada ao ambiente e ao desenvolvimento. Os membros afortunados do clube dos dois décimos guardaram para si o privilégio de 85% da utilização mundial da madeira, 75% do tratamento dos metais e 70% da energia. As consequências são tão banais quanto brutais: os habitantes do Globo jamais poderão conhecer em conjunto tal nível de prosperidade, com as devastadoras consequências que este tem sobre a natureza. É a terra a impor os seus limites à humanidade.
A difusão mundial das centrais eléctricas e dos motores de combustão já perturbou profundamente o equilíbrio energético do nosso ecossistema. As declarações de intenções da cimeira do Rio soam hoje como cançonetas de uma época perdida na noite dos tempos. Nos subúrbios da mais bela metrópole do planeta, a comunidade mundial pronunciou-se nos seus discursos a favor de um «desenvolvimento durável», de uma evolução económica que não deixasse como herança às gerações futuras um agravamento da situação do ambiente e dos recursos naturais. Daqui em diante, era necessário, pelo menos nos estados industrializados, reduzir as emissões de dióxido de carbono para os níveis de 1990.
Mas estas promessas feitas no papel não valem mais do que a tinta com que foram escritas. O mais provável é que o consumo mundial de energia duplique até ao ano 2020. Os gases responsáveis pelo efeito de estufa aumentarão entre 45 e 90%.
Já não é possível parar a transformação do clima, apenas atenuá-la, e ela provocará um número monstruoso de vítimas. Para todos nós, o aquecimento global e as suas consequências, como por exemplo as tempestades e as inundações, são já uma realidade.
Não há dúvidas de que já não se poderá impedir uma subida sensível do nível dos oceanos. A era das cidades, ainda à pouco iniciada, poderá assim conhecer um fim abrupto mesmo antes de 2050. Em dez aglomerações com mais de meio milhão de habitantes, quatro encontram-se nas proximidades do litoral - e três quintos das megametrópoles estão incluídas nesta categoria. A existência de Bombaim, Banguecoque, Istambul, e Nova Iorque está realmente ameaçada, e serão muitos raros os monstros urbanos que, para não molharem os pés, poderão oferecer a si mesmos onerosos diques, como acontece na Holanda.
Também a China deverá temer as tempestades neste século. Xangai, Hong Kong e dezenas de outras cidades com vários milhões de habitantes estão perto do mar. Mas os herdeiros de Mao pensam acima de tudo apenas neste século, tirando as devidas lições e estão a copiar, com licença ou sem ela, as conquistas do Ocidente. A grande opção já está feita; a orientação fundamental foi decidida: este povo com os seus mil milhões de almas, está a preparar-se para a longa marcha para a sociedade automóvel. Um único cálculo pragmático poderá estar na origem desta decisão: mais vale um aquecimento do clima mundial do que um sobreaquecimento do ambiente no país. Um veículo próprio é tão tranquilizante como uma dose de ópio.
«Nos dias de hoje, andar de bicicleta na China é mal visto, é a própria expressão do subdesenvolvimento».Actualmente deslocam-se nas estradas chinesas apenas apenas um décimo do parque automóvel Alemão. Mas este cenário está a mudar. Com cinquenta milhões de carros novos todos os anos, o conjunto do mercado asiático será brevemente tão grande quanto o da Europa e da América do Norte reunidos. A América Latina e os antigos Estados do Bloco de Leste têm igualmente taxas de crescimento espantosas; no Brasil, os registos de novos veículos quase triplicaram nos anos noventa e seguintes. O fascínio exercido pela ideia de possuir veículo próprio, que está a desvanecer-se em alguns países, encontra-se ainda intacta nesses novos mercados emergentes. O automóvel, longe de ser um simples meio de transporte é antes de mais um símbolo de ascensão Social uma prova de riqueza e do poder. O sinal de uma pretensa liberdade individual.
No ano de 2020, mil milhões de veículos, duas vezes mais do que hoje, levarão sem dúvida ao enfarte mundial do tráfego rodoviário. E depois? Todos os esforços envidados noutros países ou noutras regiões para pelo menos , se reduzir o perigo do aquecimento do clima economizando energia e limitando-se o tráfego automóvel, foram assim reduzidos a quase nada.
A industrialização dos países emergentes desenrola-se hoje num clima de angustiante ignorância ecológica. As cidades da China vomitam uma gigantesca nuvem tóxica que se estende por mais de dois mil quilómetros por cima do oceano Pacífico.
Há cerca de um ano li um artigo do arquitecto britânico John Seargant no qual ele relata da seguinte maneira uma viagem que fez ao Extremo Oriente, resumindo assim as suas impressões: « vi o futuro de uma grande parte da zona do Pacífico e estou mergulhado num pavor mortal. Um quarto da população do Globo está a mudar de nível d vida, destruindo assim uma parte importante do planeta.»
A China está em muito boa companhia, como todos sabemos. E nós também fazemos parte dos cúmplices. A maior parte dos habitantes dos países até agora qualificados de prósperos julga poder viver sem dificuldades com o aquecimento global. Mas também o problema ecológico favorece essa sociedade dos dois décimos que está em vias de se estabelecer. De futuro, serão poucos os indivíduos que ainda poderão oferecer-se produtos naturais caros e raros. Mas os que deles poderão dispor tirarão maior proveitos disso.
É que se a formação de uma larga frente política desejosa de combater o aquecimento global do planeta demora tanto tempo, é porque vários milhões de pessoas consideram ainda que poderão beneficiar da alteração climática. Dito isto, estaríamos errados se pensássemos que todos os esforços são vãos e que o Apocalipse é inelutável. Os que chegam a tais conclusões não fazem mais do que incitar os outros a esquivarem-se aos problemas e a justificarem a sua própria inactividade. De facto, tornou-se muito confortável esperar pelo fim do mundo.
Mas esse desaparecimento redentor que resolveria todos os conflitos não terá lugar. A humanidade sobreviverá, será obrigada a sobreviver, e por muito tempo ainda. A única questão reside em saber como - e qual a percentagem da humanidade que estará mais perto da prosperidade ou da miséria absoluta, inclusivamente no seio do que até agora se designava por mundo industrializado . Não há quaisquer dúvidas de que o «destino ecológico da humanidade será jogado na Ásia», sublinha o director da Greenpeace Internacional. Mas os primeiros responsáveis pela renovação ecológica são os mesmos que criam o paraíso das mercadorias e se agarram às suas imagens e ídolos.
O abandono do modelo tradicional de desenvolvimento económico - quaisquer que sejas os sacrifícios que implique - não será obrigatoriamente «uma sinistra marcha marcha para a miséria»: pelo contrário, poderá levar a «novas formas de bem-estar, afirma Ernst Ulrich, presidente do Instituto de Wuppertal. O director deste laboratório do futuro, de cuja seriedade ninguém duvida, apresentou pormenorizadamente a sua ideia já em 1995.
Enquanto as regiões centrais da Europa anunciam a motorização completa, no momento em que todos os lares estão equipados com televisores e todas outras tecnologias e em particular as de informação, alguns indivíduos, sobretudo os citadinos, rompem abertamente com os ícones da modernidade. Mas também aqui a sociedade se polariza: quando se passam horas à procura de um lugar para arrumar o carro, já pouco resta do prazer de conduzir. Assim se dissipa o ideal de uma sociedade automóvel igualitária. Mesmo perante o grande engarrafamento, os homens não são iguais, longe disso. Outrora, era a posse de um televisor e de um automóvel que conferia um estatuto; hoje o novo luxo é não ter necessidade de veículo e não depender da televisão. Quando se leva uma vida excitante, não há dificuldade em se renunciar aobrilho virtual da televisão - e deixa de se ouvir falar em tittyainmment.
Estes pequenos refúgios requintados não ocultam a mutação social iminente há tanto tempo descritas por certos visionários, desde Dennis Meadows até ao vice- presidente norte-americano Al Gore. No início de Verão de 1989, os problemas do ambiente e a catástrofe climática estavam, pela primeira vez, na ordem do dia na cimeira económica do G7, que reúne as sete nações mais ricas do mundo. Julgou-se que essa reunião anunciava uma mudança na forma de pensar. «Os anos 90 de seguintes serão décadas críticas» Os combates decisivos serão nos dias de hoje ganhos ou perdidos. É uma ameaça actual que não tem rosto. O inimigo da degradação ambiental somos nós mesmos!
Jorge Neves