A via errada do confronto
Luther king, Prémio Nobel da Paz, desconfiava do êxito dos confrontos agressivos: «A violência só traz vitórias temporárias, nunca consegue uma paz duradoura; são maiores os problemas que cria de que aqueles que resolve.»
A força cria resistência. Pela violência, uma pessoa pode fazer-se obedecer, mas nunca conseguirá a simpatia e a boa vontade dos outros. A força vence, mas não convence. Por uma questão de orgulho, uma pessoa atacada ou pressionada não se torna receptiva. Tende a defender-se e a justificar-se. Faz como o ouriço: fecha-se, com os espinhos dirigidos contra o agressor.
Das discussões azedas ninguém sai vencedor. Diz Dale Carnegie que «a melhor maneira de ganhar uma discussão é evitá-la». Discutir com crianças e inexperientes é inútil. Discutir com ignorantes e atrevidos dá sempre mau resultado. Querer vencer todas as discussões é arriscar-se a perder o que há de mais importante na vida: a amizade e a confiança das outras pessoas.
As ofensas produzem quase sempre revolta e ressentimento. A pessoa, ferida na sua dignidade e no seu amor-próprio, poderá inibir uma reacção imediata por medo das consequências, mas não deixará passar uma oportunidade para se vingar. Mais cedo ou mais tarde, reagirá. E tem a vantagem de se preparar e escolher o processo que mais lhe convém para retaliar.
Em suma, optar pelo confronto aberto e hostil é brincar com o fogo. É meter-se numa rua sem saída. A sabedoria popular avisa: «Quem semeia ventos colhe tempestades.»
Caminhos da não-violência
Lembremos uma velha fábula de Esopo.
«O Vento Norte discutia com o Sol acerca de qual deles era mais forte. Como nenhum dos dois queria reconhecer a superioridade do outro, resolveram submeter o seu poderio a uma prova: o primeiro que conseguisse tirar a capa de um caminhante seria o vencedor.
O Vento Norte começou a soprar furiosamente, fazendo-se acompanhar de violentas chuvadas, mas, em vez de tirar a capa ao viajante, fez que este se abrigasse nela ainda com mais força, segurando-a com ambas as mãos.
Chegou a vez do Sol mostrar o seu poder. imediatamente começou a abrir os seus raios, por entre as nuvens, e a lançá-los com muito ardor sobre a cabeça do viajante, de tal modo que o obrigou a tirar a capa e a camisa e a sentar-se à sombra de uma árvore.
E assim o Sol ganhou a aposta.»
Nesta fábula está contida uma lição que continua válida, há muitos séculos: a delicadeza tem mais poder do que a força bruta.
Sejamos coerentes! Se não gostamos da franqueza rude, se não apreciamos a crítica e a vingança, porque usamos tais métodos contra os outros? Será que os métodos violentos passam a ser justos e correctos quando defendem os nossos interesses e os nossos pontos de vista? Afinal, preferimos as pessoas delicadas ou grosseiras?
Justifica-se a violência, excepcionalmente e como último recurso, para defender a própria vida. Para manifestar desagrado ou oposição, o homem tem de distinguir-se do animal que usa a força bruta.
O animal, quando atacado, usa instintivamente a lei da força. Os fracos e os ignorantes recorrem às discussões e às ameaças. Os fortes e os inteligentes optam pela não-violência na relação com os outros.
A não violência não é fuga à realidade, indiferença, medo, resignação ou submissão passiva ao erro, à maldade e às injustiças. É uma reacção corajosa que permite resolver conflitos humanos de forma pacífica. Exige mais força interior do que a simples e enganadora vingança, como defendia Gandhi.
São pouco cómodos, mas muito seguros, os caminhos da não-violência . Eis alguns desses caminhos: autodomínio, tolerância e perdão
Autodomínio
«Qualquer pessoa pode ficar zangada. Isso é fácil. Mas ficar zangado com a pessoa certa, no momento certo, pelo motivo certo e do modo certo, isso não é fácil.» São palavras de Aristóteles, um dos maiores filósofos de todos os tempos.
É saudável «desabafar» e expressar a irritação que nos consome. O equilíbrio psicológico passa pela libertação das emoções. Porém, temos de pôr a funcionar o nosso «polícia interno». Não se pode soltar tudo o que vai cá dentro, em frente de qualquer pessoa, sem medir as palavras e os efeitos.
Quando respondemos emotivamente às provocações agressivas, sobretudo quando descarregamos frustrações sobre inocentes, corremos o risco de atiçar um conflito violento.
Para viver bem com os outros, é importante saber arranjar «válvulas de escape» por ode se canalizem as tensões. Quase todos os psicólogos aconselham o exercício físico como processo de aliviar as pressões emocionais. Exercícios físicos moderados (caminhar, andar de bicicleta, fazer ginástica ou praticar qualquer desporto...) aceleram a circulação do sangue, ajudam a descontrair e levantam o ânimo.
O exercício físico não é a única técnica eficaz para reduzir a agressividade. Há outras técnicas, como ler, cantar, ouvir música, «respirar fundo», pensar em coisas positivas, falar com amigos, dormir ou simplesmente...rezar. Compete a cada pessoa escolher a sua própria técnica de autodomínio, para que a hostilidade não venha a envenenar a sua relação com os outros.
Uma pessoa sem autodomínio tem explosões irracionais. Muitas vezes diz ou faz o que não quer e deixa de dizer ou fazer o que seria oportuno. Facilmente ganha fama de «descontrolado», «intratável» e pode ser afastado do grupo como «incapaz de cooperar».
O autodomínio é a disciplina interior que leva o homem a dominar-se a si mesmo, antes de querer dominar os outros. Nas palavras de Séneca, «o mais forte é o que tem o poder sobre si próprio».
Quem se domina tem a paciência de esperar a melhor oportunidade para falar, para fazer exigências ou para fazer reparos críticos. Quem se domina sabe que o tempo é bom conselheiro, na medida em que relativiza a importância das coisas e tempera os juízos precipitados. Quem se domina segue a regra prudente de «deixar para amanhã o que não deve fazer hoje...»
A serenidade de não responder à letra às observações duras e injustas é uma atitude superior que acalma e moraliza o provocador. As pessoas agressivas sentem-se desarmadas e interpeladas pelos métodos de acção daqueles que não cedem ao primeiro impulso negativo.
O autodomínio é uma atitude inteligente que favorece a relação com os outros e ajuda a sentir-se melhor consigo.
Tolerância
Somos pessoas, não modelos acabados. Todos nós temos faltas e limitações. E esperamos receber compreensão e tolerância generosa. No entanto, mostramo-nos exigentes e intolerantes para com os outros. Incoerentemente, criticamos neles o que talvez fizéssemos nas mesmas circunstâncias. Usamos lentes de aumento para ver os defeitos alheios e esquecemo-nos de usar o espelho para ver os nossos.
É uma defesa. Quanto mais fracos somos, mais prazer sentimos em apontar as fraquezas alheias. Assim, desviamos as atenções dos nossos defeitos...
A pessoa tolerante não se apressa nem se alegra na repreensão e na condenação dos outros. Mas também não renuncia à luta contra o erro.
Perante os comportamentos indesejáveis, dois extremos são de evitar:
- a intransigência excessiva dos que sempre criticam, mesmo faltas menores que não merecem cuidado;
- a condescendência ilimitada dos que deixam passar, sem qualquer reparo, toda a espécie de atitudes incorrectas.
A tolerância tem limites.
Por vezes, torna-se indispensável reprovar certos comportamentos, ainda que nos custe algum dissabor. O segredo está na discordância simpática, na sabedoria de corrigir sem ofender. Isso exige tacto e delicadeza.
Não se deve pactuar com a irresponsabilidade nem com os maus hábitos. Não se pode esquecer essa obra de misericórdia que é «corrigir os que erram». Porém, os intransigentes precisam de ter presente o desafio lançado por Jesus aos orgulhosos acusadores: «Aquele que estiver inocente que atire a primeira pedra.»
Perdão
Quando ofendemos alguém e pedimos desculpa, que desejamos: perdão ou condenação? E quando somos ofendidos, que oferecemos? Perdoamos como esperamos ser perdoados?
É mais cómodo culpar e vingar-se do que desculpar e «esquecer» uma ofensa. Daí, os habituais ajustes de contas e as frequentes desforras, segundo a lei de Talião: «Olho por olho, dente por dente.»
Na lógica tradicional, só a retaliação permite sair vencedor. Perdoar seria perder!
Aquele que é capaz de perdoar uma ofensa mostra um espírito superior. Não renuncia à luta contra a maldade, mas renuncia à vingança, porque compreende que muita maldade nasce da ignorância. «Ninguém é mau voluntariamente», afirmou Sócrates.
Perdoar não é perder. É ganhar amigos.
Perdoar, sim. Mas quantas vezes? - pergunta qualquer pessoa generosa. Até sete vezes? - perguntou Pedro, discípulo de Cristo. E o Mestre respondeu com um número que aponta para a medida infinita de perdão: «Não sete, mas setenta vezes sete.»
Um desafio.
Doença sem cura?
A violência transformou-se numa doença grave e contagiosa com que nos habituamos a conviver todos os dias. Ela corrói a vida de quase toda a gente e não cede perante as vacinas e os medicamentos habituais.
Medicina alternativa, capaz de travar o contágio, é a doutrina da não-violência.
Dominar os impulsos negativos, oferecer tolerância e perdoar ofensas são métodos revolucionários. São atitudes positivas que trazem mais vantagens do que qualquer comportamento agressivo, pois tocam profundamente o coração dos outros. constituem sabedoria dos grandes mestres e das grandes religiões.
Uma ingenuidade? Não será maior ingenuidade continuar a acreditar que tudo se pode conseguir através da violência?
Sabemos que a violência nas relações humanas é o reflexo de uma violência mais geral que depende em grande parte das injustiças sociais. Importa combater a injustiça. De acordo. Isso, porém, não impede o esforço de melhorarmos as relações com os nossos semelhantes.
Para impedir o contágio da doença, temos de abandonar os métodos agressivos. Temos de apostar em novos processos e novos valores. A começar pelo diálogo aberto e sem preconceitos.
Jorge Neves
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