O segredo de criticar
São inúmeras as situações da nossa vida em que criticamos os outros.
Mas o que é isso de criticar?
A crítica é a constatação de que alguém não fez algo da forma que nós esperávamos que o tivesse feito. Resulta de uma avaliação negativa que fazemos de alguém ou de algo que nos foi feito. Quando dizemos à nossa esposa (ou esposo) que a comida não está boa, o que queremos na realidade dizer é que não está como nós gostaríamos que estivesse. Toda a crítica envolve uma comparação com padrões, implícitos ou explícitos. Quando o que acontece está a cima do que esperávamos, elogiamos (ou deveríamos fazê-lo); quando está abaixo dos padrões, criticamos (ou deveríamos fazê-lo).
Há quem diga que criticar é mau; que se as pessoas fazem algo mal feito é porque não sabem fazer melhor. Por vezes, pode ser que sim; de facto, pode ser desagradável criticar alguém que realmente se esforçou por fazer algo cujo resultado final nos desagradou. Mas pense no que acontece se não criticarmos. Provavelmente as pessoas ficam convencidas que fizeram bem e continuarão a fazer as coisas da mesma forma.
Um dia, dia um amigo meu recebeu um convite para jantar de uma pessoa amiga que se esmerou para lhe proporcionar um verdadeiro «manjar do deuses». Acontece que o jantar era coelho (animal que o meu amigo não era particularmente apreciador) e, por azar, nem sequer estava bem confeccionado. No final do jantar, como pessoa educada que era, elogiou a refeição (se calhar com mais convicção do que a educação exigia). Já deve estar a calcular o que aconteceu. As vezes seguintes que o convite se repetiu, repetiu-se também a ementa, até ao dia em que a confiança lhe permitiu ser franco na sua apreciação. Se calhar teria havido uma forma educada de evitar o sacrifício de voltar a comer coelho, vez após vez, ou será que não?
Uma divisão que se costuma fazer no que respeita às críticas é dividi-las em duas classes: destrutivas e construtivas. Quando nos referimos às críticas destrutivas, normalmente referimo-nos a situações em que o objectivo da pessoa que critica é menosprezar o outro ou outros. Dizemos mal para nos evidenciarmos e mostrarmos a nossa superioridade (ou pseudo-superioridade).
Subjacente à crítica destrutiva está, normalmente, uma atitude de comunicação que os psicólogos designam por avaliação. São inúmeras as afirmações que reflectem esta atitude. Sem o querer maçar deixe-me dar-lhe alguns exemplos:
«Nunca deveria ter feito isso! Vê-se mesmo que não percebe nada do assunto.»
«Isso é desleixo! Se fosse comigo isso nunca sucederia.»
«Se está aflito com isso, vê-se mesmo que não tem estofo para aguentar nada.»
Afirmações deste tipo, têm como base uma grande certeza da nossa parte de que nós é que sabemos; de que nós é que somos o exemplo.
Em resumo, eu sou bom e tu não prestas.
Já imaginou o que este tipo de intervenções provoca nos outros? Deixe-me dizer-lhe alguns dos efeitos:
- Aumenta a tensão entre as pessoas. Ninguém gosta de ser criticado desta forma, em especial se for em público.
- Aumenta a agressividade.
- Cria automaticamente defesas em quem é criticado.
- Diminui(ou elimina mesmo) a predisposição do criticado para aceitar as opiniões do crítico.
- Faz com que as pessoas percam toda a admiração por si.
Mas então, perguntará você, se criticar é assim tão mau, como é que eu defendi no princípio deste apontamento que a crítica deve ser utilizada?
É uma boa pergunta para aqual lhe vou tentar dar uma boa resposta (espero). Entramos assim na segunda «classe» de críticas: a crítica construtiva.
Quando criticamos alguém de forma construtiva, a mensagem que queremos passar é que o resultado que estamos a obter não é aquele que esperávamos. Deixe-me explicar melhor um exemplo. Imagine que pede a um colaborador seu que faça um relatório para entregar a um cliente e o relatório vem-lhe «parar às mãos» de uma forma que não é do seu agrado. Isto pode ter acontecido por uma de duas razões: ou você não lhe explicou como queria ou ele alterou o que lhe pediu, pensando estar a fazer melhor.
Se, por acaso, se deu a primeira situação, o culpado é você porque não especificou como o queria feito; logo, autocritique-se. Se a situação é a segunda, você pode reagir de duas formas, dizendo:
«Você com a sua mania de alterar tudo só faz asneiras.»
ou
«Embora aprecie o seu esforço de criatividade, parece-me que neste caso é melhor fazer como lhe pedi por isto...»
Escolha a que lhe parece melhor.
Uma crítica construtiva não é mais do que manifestarmos aos outros a nossa discordância em relação à forma como algo foi feito, sem pôr em causa a capacidade ou dedicação de quem o fez, mas antes apresentando os nossos argumentos, pondo-os à discussão. Ilustrando, uma crítica construtiva reflecte a seguinte postura: «Eu não teria feito assim por estas razões. No entanto, gostaria de saber o que o levou a fazer porque eu até posso estar enganado.»
É natural que esteja curioso por saber como é que o meu amigo podia ter evitado comer coelho tantas vezes. Poderia haver várias formas de o fazer e a que lhe vou apresentar pode nem sequer ser a melhor. No entanto, penso que não seria ofensiva e poderia atingir o objectivo. Talvez se tivesse dito no final da refeição que, embora tivesse apreciado muito o esforço feito na confecção do prato e que este, por certo, estava bem feito, não era a pessoa mais indicada para o poder apreciar, dado não se tratar de um dos seus pratos favoritos.
Uma pequena mentira «piedosa» que o teria feito evitar o sacrifício de voltar a comer três vezes coelho, sem ofender a anfitriã.
Vou-lhe pedir que, quando criticar, tenha os seguintes cuidados:
Em vez de dizer: «Nunca devias ter feito isso. Vê-se mesmo que não percebe nada do assunto.»
Diga antes: «Será que esta é a melhor forma de o fazer? E que tal se o víssemos em conjunto?»
Em vez de dizer: «Isso é desleixo. Desculpe, mas se isso fosse comigo nunca sucederia.»
Diga antes: «Porque é que pensa que isso sucedeu assim? Será que não podemos optimizar isso no futuro?»
Em vez de dizer: «Cozinhas mesmo mal! Não há dia em que acertes com o sal.»
Diga antes: «Como eu sou uma pessoa de gostos esquisitos, deixe-me ser eu a pôr o sal da próxima vez.»
Em vez de dizer: «Se está preocupado com isso, vê-se mesmo que não tem estofo para aguentar nada.»
Diga antes: «Imagino como se deve sentir preocupado com a situação... Mas vejamos, será que não podemos fazer nada para minimizar os seu efeitos»?
Jorge Neves
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