O ASSALTO À DEMOCRACIA E AO BEM ESTAR SOCIAL
Quando os governos já não podem responder a todas as questões existenciais referentes ao futuro senão evocando a inexorável condicionante da economia transnacional, toda a política se transforma numa comédia de impotência e o Estado democrático perde a sua legitimidade. A mundialização transforma-se assim numa armadilha para a democracia.
Só um teórico ingénuo ou um político de vistas curtas poderá crer que é possível, como acontece atualmente na Europa, privar todos os anos milhões de pessoas do seu emprego e de todos benefícios sociais sem que mais cedo ou mais tarde tenha de se pagar o preço. Isto só pode acabar mal. Contrariamente ao que se passa na lógica das estratégias dos grandes grupos, baseada na economia da empresa, nas sociedades dotadas de uma constituição democrática não há surplus people, cidadãos excedentários, inúteis. Os derrotados têm voz e hão-se servir-se dela. Isto nada tem de tranquilizador: o terramoto político sucederá ao abismo social. Os social-democratas ou os social-cristãos não conhecerão novos triunfos antes de um lapso de tempo longo. Há cada vez mais eleitores a tomarem à letra as fórmulas dos advogados da globalização. Não é entre nós que há que procurar os responsáveis, a culpa é de toda a concorrência estrangeira: eis o que se apregoa aos cidadãos em cerca de um telejornal em cada dois - frases pronunciadas exatamente por aqueles que se espera defendam os interesses da população. Este argumento - economicamente falso - e uma franca hostilidade contra tudo o que é estrangeiro medeia um passo, que rapidamente foi dado.
Desde há muito tempo que milhões de cidadãos das classes médias, destabilizados, procuram a salvação na xenofobia, no separatismo, no afastamento relativamente ao mercado mundial. OS EXCLUIDOS RESPONDEM COM A EXCLUSÃO. No mundo inteiro, assiste-se ao crescimento da massa dos vagabundos migrantes, que pretendem escapar à miséria.
20/80: a sociedade dos dois décimos, tal como a imaginavam alguns visionários elitistas, corresponde perfeitamente à lógica técnica e económica com a qual os chefes das empresas e os governos conduzem a integração global. Mas a competição mundial, para atingir maior eficácia e salários mais baixos, abre as portas do poder ao irracional. Os que se revoltam não são aqueles que verdadeiramente sofrem com a miséria. A verdadeira bomba política (e o seu poder de deflagração é incalculável) é, pelo contrário , alimentada pelo medo da despromoção que se expande no seio da sociedade. Não é a pobreza que coloca a democracia em perigo, mas a angústia que ela inspira.
Já conhecemos uma situação em que a economia se encontrou numa tal posição de força que aniquilou toda a política - e essa situação levou a uma catástrofe mundial. Em 1930, um ano após o grande crash bolsista, as revistas favoráveis ao capital exemplo The Economist, comentava: «O maior problema da nossa geração relaciona-se com o facto de os nossos êxitos no domínio económico ultrapassarem tanto o nosso sucesso no domínio político que a economia e a politica já não podem andar lado a lado. Do ponto de vista económico, o mundo é uma unidade de Acão global. Politicamente, permaneceu fragmentado. As tensões entre estas duas evoluções opostas desencadearam abalos e desastres em cadeia na vida social da humanidade.»
A história não se repete. Todavia, a guerra permanece a válvula de escape mais provável quando os conflitos sociais se tornam insuportáveis - mesmo que assuma a forma de uma guerra civil contra minorias étnicas ou contra regiões que traem a nação. A globalização não conduzirá obrigatoriamente a confrontos militares; em contrapartida, estes são possíveis se não se conseguir domar através do social as forças da economia transnacional entretanto desencadeadas. As respostas politicas que até agora se deram à interligação económica do mundo afastam a mais ínfima possibilidade de se controlar este processo. Todavia, existem instrumentos e caminhos que permitem remeter as questões para os governos eleitos e suas instituições sem levantar as nações umas contra as outras.
Em pleno século XXI, a mais eminente missão dos nossos políticos preocupados com a democracia será devolver essa funções ao Estado e restabelecer o primado da política sobre a Economia.
Na ausência disso, o processo de fusão que a técnica e comércio impõem à humanidade a uma velocidade dramática inverter-se-á rapidamente e conduzirá ao curto-circuito global.
Jorge Neves
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