Só
existe um amor que aguenta tudo e dura toda a vida
É o
amor-próprio.
(Molière)
Para ser feliz, uma pessoa tem de aprender a viver com os outros. Mas
tem de aprender igualmente a viver consigo mesma, porque é a sua única
companhia de todos os dias e de todas as horas. Qualquer pessoa pode renunciar
a algumas amizades, mas ninguém pode dispensar a companhia de si próprio.
Viver bem consigo significa aceitar-se e manifestar o apreço por si,
isto é, ter amor-próprio, apesar de todas as limitações pessoais.
A autoestima, desde que seja equilibrada, não afasta as pessoas
umas das outras. Pelo contrário.
Quem gosta de si cultiva as relações
humanas mais positivas, pois não vive dependente da aprovação dos outros nem
receia as suas críticas. Quem gosta de si está mais disponível para gostar
dos outros.
2.1.
AUTO-ACEITAÇÃO
A autoaceitação é a capacidade de abraçar tudo o
que há em nós. É a disponibilidade para assumir não só as capacidades que
apreciamos, mas também as limitações que preferíamos não ter. Sem
complexos.
Fruto da educação, muitas pessoas ainda levam demasiado a sério as
suas limitações físicas, psicológicas ou intelectuais. Apesar de possuírem
qualidades, deixam-se assaltar e dominar pelo sentimento de vergonha.
Menosprezam-se. Castigam-se. Chamam-se nomes ofensivos da sua dignidade: «Sou
um estúpido...um imbecil...um incapaz...»
Se essas pessoas fizessem o registo diário do número de vezes que
manifestam apreço por si mesmas e que insultam, ficariam pasmadas com o
saldo negativo a seu respeito. Mas, em geral, as pessoas que se autocriticam em
excesso nem se dão conta da sua atitude negativa. Cresceram com a ideia de que
pouco ou nada valem. Tiveram uma educação repressiva. Ninguém lhes lembrou o
seu valor. É por isso que agora se subestimam e encaram-se com tanta severidade.
Chegam até a alimentar sentimentos de culpa, mesmo em relação a situações de
que não têm qualquer responsabilidade.
Há vantagens em admitir as próprias fraquezas e aceitar-se como
imperfeito. Quando somos autênticos, quando não escondemos as nossa limitações
nem fingimos qualidades, os outros têm tendência a aproximar-se de nós e a
mostrar a sua simpatia e até os seus elogios.
Há também vantagens em admitir os próprios erros, numa autocrítica
sincera. Os outros tomam atitudes generosas quando nos antecipamos a
«confessar» as nossas faltas:
«Reconheço o meu erro»
«Devia ter sido mais cuidadoso»
«Peço desculpa»
Isto não significa que devamos abusar da autocrítica apenas como
estratégia para conquistar a compreensão alheia. Muito menos significa que
devemos usar a técnica do menosprezo ou do insulto conta nós mesmos como forma
de despertar sentimentos de compaixão e de nos pouparmos às críticas dos
outros. A autocrítica permanente não é uma atitude construtiva. Ninguém ganha o
respeito dos outros faltando ao respeito a si mesmo.
Uma pessoa com autoestima é tolerante para consigo, como procura ser
tolerante em relação aos seus melhores amigos. Assume as suas limitações, sem
perder o sentido de humor nem o respeito por si próprio.
Sinal de inteligência é olhar para além das limitações. Foi
assim que o homem conseguiu transformar ervas daninhas em perfumes, venenos em
medicamentos e feras em animais domésticos. Foi assim, também, que muitas
pessoas se tornaram famosas. Em vez de desperdiçarem tempo a lamentar as suas
limitações, investiram todas as energias no desenvolvimento das suas
capacidades.
Aceitar-se e respeitar-se é um processo eficaz de cooperar
consigo mesmo. É dar a si próprio forças e gosto para ultrapassar dificuldades
e desenvolver os talentos pessoais. Quem não coopera consigo não chega a lado
nenhum.
A autoaceitação tem efeitos positivos no desenvolvimento pessoal e nas
relações interpessoais.
Quando uma pessoa se aceita como é, tem mais
tendência a aceitar os outros como são e a viver em harmonia com eles.
2.2.
O GOSTO DE SER DIFERENTE
É natural a
tentação de invejar as aptidões físicas ou intelectuais dos outros. É
natural a tentação de invejar a energia, a beleza, as habilidades ou o estatuto
social dos outros. Mas, porque a inveja só faz mal ao próprio invejoso, o
importante é dar atenção aos talentos pessoais e desenvolver o gosto pela
diferença,
Os outros têm
pontos fortes invejáveis? E nós não? Será que eles só têm qualidades e
nós só defeitos? Será que nada há em nos que nos possamos orgulhar? Será que os
dons da natureza foram distribuídos apenas aos outros?
«Eu sou diferente, logo sou melhor...» é um raciocínio errado, porque
complica a relação com os outros.
«Eu sou diferente, logo sou pior...» é um raciocínio mais errado
ainda, porque complica a relação consigo mesmo e acaba por dificultar a relação
com os outros.
«Eu sou diferente, aceito-me como sou e tenho até orgulho de
mim...» é o único raciocínio positivo que facilita a relação consigo e com
os outros.
Podemos imitar as boas qualidades alheias. Podemos seguir a luz
de alguns mestres (líderes espirituais, professores, políticos ou cientistas).
Mas não devemos atrofiar o nosso espírito nem perder a nossa
individualidade. Nascemos originais. Teremos de morrer cópias?
A vida precisa de todo tipo de pessoas, como a floresta precisa de
todo tipo de árvores e a orquestra precisa de todo tipo de instrumentos.
Quando assumimos e desenvolvemos a nossa diferença, acabamos por
viver melhor.
Afinal, é agindo com originalidade, e não copiando os outros,
que reafirmamos a nossa identidade e construímos a autoestima.
Um adulto tem de deixar de ser complexado. Deve fazer uma
avaliação positiva de si próprio. Sem exageros da imodéstia, mas também sem o
medo ou a vergonha dos inferiorizados, deve dizer a sí mesmo, em voz baixa ou
em voz alta, quantas vezes forem necessárias:
«Sou pessoa de valor»
«Gosto de ser diferente»
«Tenho orgulho em mim»
2.3
. VALORIZAÇÃO DOS PRÓPRIOS
ESFORÇOS
Muitos
adultos procedem como crianças e adolescentes sem autoestima. Vivem dependentes
dos outros. Precisam de recompensas para os seus êxitos e estímulos para
os seus esforços. Esperam consolo e apoio nos seu fracassos.
São facilmente influenciáveis. Chegam até a rejeitar as suas ideias para
agradar aos outros. Fazem tudo para conquistar elogios e louvores.
Quando somos adultos, já não podemos contar com os pais ou
professores generosos que estimulem os nossos esforços. Não devemos ficar à
espera de que os outros manifestem apreço pelo nosso trabalho, pelas nossas
ideias ou pela nossa pessoa. Precisamos de aprender a viver com autonomia, sem
os aplausos alheios.
Claro que a aprovação alheia é saboroso e fortalece a autoestima.
Mas, afinal, de que servem as opiniões positivas dos outros, se não
sentirmos apreço por nós mesmos?
Para muita gente, a ideia de cultivar o amor-próprio e felicitar-se a
si mesmo (pelas qualidades, pelos êxitos e pelos esforços) é quase um «pecado».
Talvez por causa da educação.
Vejamos:
A nossa sociedade considera «mal-educada» uma pessoa que
censura os outros e lhes falta ao respeito. Mas pouca gente se espanta
quando essa mesma pessoa falta ao respeito a si própria. A nossa
sociedade considera «bem-educada» uma pessoa capaz de apreciar as
qualidades alheias. Mas muita gente ainda crítica, quando escuta essa mesma
pessoa a manifestar apreço por si. Montaigne dizia: «
Acredita-se sempre no
indivíduo que se acusa a si próprio, mas nunca naquele que se
autoelogia.»
É urgente mudar de estratégia. Embora sem os exageros do
orgulho ou da vaidade, o adulto deve reconhecer as suas qualidades. Deve apreciar
os seus êxitos, por mais pequenos que sejam. Deve igualmente valorizar os
seus esforços quando eles são sérios e honestos, feitos com vontade de
acertar.
Felicitar-se pelos próprios sucessos é uma atitude saudável e
relativamente fácil de tomar. Mais difícil é mostrar apreço por si mesmo,
perante os resultados menos positivos.
Temos de estimular os nossos esforços, pois eles dependem
exclusivamente de nós. Afinal, esforçar-se, fazer o que está ao nosso
alcance, é já em certo sentido, um êxito. Os resultados, esses não podem ser
controlados por nós, pois dependem não só do esforço, mas também de outras
circunstâncias a que por vezes, somos alheios.
Tentativas e erros são companheiros inseparáveis. Na ciência.
Na arte. No desporto. Na escola. Na vida. Assim perante um insucesso (nos
estudos, na vida familiar ou na vida profissional), a pessoa com autoestima
sabe tirar partido dos seus erros, convertendo-os em experiência. Com toda a
simplicidade se diz, que « a forma de evitar erros é ganhar
experiência e a forma de ganhar experiência é cometer erros».
Tentativas e erros revelam-nos as nossas capacidades e indicam-nos
o melhor caminho a percorrer. Tentativas e erros tornam-nos mais
maduros, mais experientes e mais competentes.
São dolorosas as lições dos erros. Ninguém fica satisfeito
quando falha. Compreende-se que as pessoas que não prezam os seus esforços,
mas apenas os resultados, tenham mais medo dos fracassos. Compreende-se
até que fiquem perturbadas, como se cada falhanço fosse uma prova da sua
incapacidade.
As pessoas que não valorizam os seus esforços têm tendência a
insultar-se, sempre que as coisas não correm bem. Com frequência, desatam a
bater em sí mesmas, sem respeito pela sua própria dignidade: «Não
consegui... Faço os mesmos erros... sou um estúpido...»
A atitude mais sensata é a daqueles que sabem dominar e enfrentar o
fracasso. Sabem que nenhum fracasso é definitivo. Quando falham, reconhecem os
seus erros, mas não se envergonham nem se insultam. Comportam-se como seus
amigos. São mesmo capazes de oferecer apoio a si próprios, mostrando
compreensão e apreço pelos seus esforços: «Estou frustrado
por não ter conseguido, mas orgulho-me de ter feito tudo o que estava ao
meu alcance...»
Palavras como estas, de otimismo e consideração por si mesmo reforçam
a autoconfiança e são um bom alento para responder a novos desafios.
2.4.
RELATIVIZAÇÃO DAS
CRÍTICAS
Ninguém fica
satisfeito com a indiferença ou com as críticas
alheias, sobretudo quando elas são injustas. É saudável
defender o «eu» dos ataques e das ofensas. Mas é um erro alimentar ódios ou
desejos de vingança, porque isso significa torturar-se e destruir-se.
A psicologia moderna confirma que o ódio e o desejo de vingança
deformam a própria personalidade. São doenças perigosas que trazem consigo a
amargura e deixam cicatrizes para toda a vida.
Aquele que odeia passa o tempo a imaginar como vingar-se, julgando
que, desse modo, anulará os seus aborrecimentos e encontrará satisfação.
Engana-se. O ódio não ajuda a suportar melhor a situação, na medida em que
pensar em desforrar-se é, antes do mais, pôr sal nas próprias feridas.
Quando uma pessoa pensa em violência, mesmo que não concretize os
seus pensamentos, está a queimar-se por dentro. Como se diz: «um homem
zangado anda sempre cheio de veneno».
Jesus Cristo ofereceu aos homens um conselho cheio de sabedoria: «Ama
os teus inimigos». Talvez não sejamos suficientemente bons para amar os nossos
inimigos, mas podemos ao menos esquecê-los, por amor a nós mesmos.
Uma pessoa com amor-próprio, em vez de se envenenar com sentimentos
negativos, procura ter uma atitude positiva perante a incompreensão, a
ingratidão e as críticas alheias. Essa atitude implica saber aceitar o
inevitável, desprezar as ninharias e aprender com os outros.
Os outros são responsáveis por aquilo que dizem ou fazem. Mas nós
somos muito mais responsáveis pela forma como reagimos. A crítica é deles. A
reação é nossa.
Aceitar o inevitável
É uma lei da Natureza. Há o belo e o feio. O doce e o amargo. O sol e
a chuva. O calor e o frio. O êxito e a frustração. O elogio e a crítica.
Na vida, há situações que não podemos evitar, como, por exemplo,
desastres e doenças. Na relação com os outros, acontece algo semelhante. Não
podemos evitar o encontro com pessoas egoístas e antipáticas que apenas se
lembram de atacar os nossos erros e as nossas limitações.
Num mundo frio e competitivo, são naturais a inveja e a maledicência,
sobretudo em relação às pessoas que ultrapassam a mediocridade e se mostram
superiores em alguma coisa. Conforme a sabedoria de um provérbio persa,
«ninguém atira pedras a uma árvore sem frutos».
As pessoas e as situações não mudam pelo facto de fervermos em
sentimentos negativos. É inútil alimentar o ressentimento e o ódio. A
preocupação não é eficiente. O que não podemos alterar temos de aceitar como
adversidade natural e não como uma tragédia.
Mostra a experiência que uma pessoa vive melhor consigo e com os
outros, quando tem o bom senso de aceitar, com calma, a realidade da vida.
Claro que é desejável um mundo melhor, mas este é o que temos. Não é possível
imaginar o mundo sem pessoas antipáticas. Temos de aprender a aceitar a
realidade como primeiro passo para ultrapassar os efeitos negativos de qualquer
aborrecimento.
A capacidade de aceitar a realidade e alimentar pensamentos
positivos não torna os outros mais simpáticos, mas ajuda a suportar as suas
críticas.
Não podemos evitar a visita indesejável das contrariedades.
Também não podemos evitar palavras ofensivas ou observações injustas. A não ser
que sigamos o conselho bem -humorado de Hubbard: « Se queres evitar a
crítica, não digas nada, não faças nada, não sejas nada. »
A aceitação do inevitável não é passividade ou resignação de
vencido. É antes, um sinal de amor-próprio, na medida em que permite uma
melhor adaptação à vida.
Jorge Neves