quinta-feira, 12 de outubro de 2017

NA NOVA ECONOMIA TUDO VEM DE TODO A PARTE






  Antes, a distância era uma grande limitação. A maior parte daquilo que as pessoas usavam vinha de perto, e se elas viviam longe de outras, eram obrigadas a fazer quase tudo aquilo de que necessitavam. No século XVIII, «nas casas isoladas e nas aldeias espalhadas por uma região tão desértica como o Alentejo cada agricultor tinha de ser igualmente o talhante, o padeiro, mecânico da sua própria família.» Em meados do século XIX, a maior parte das economias ainda era local. As comunicações eram difíceis. Uma carta enviada do Algarve para o Minho demorava 15 a 20 dias a chegar.

  Em seguida, veio a era industrial moderna das máquinas a vapor, dos caminhos-de-ferro (a par dos vagões frigoríficos) e do telegrafo. Os alimentos podiam ser enviados para mais longe sem se deteriorarem. As mensagens podiam atravessar o país de um lado para o outro num período curto de tempo. Os materiais podiam ser recolhidos a muitos quilómetros de distância, enviados para centrais, onde eram processados, dobrados ou aparafusados em grandes quantidades, e surgir como produtos acabados que seriam enviados para todo o mundo.

  Com o século XX chegam navios de carga, auto-estradas percorridas por reboques gigantescos, grandes aviões a jacto que transportavam a carga em contentores do tamanho de vagões, cabos intercontinentais e, um pouco mais tarde, cabos de fibra óptica e satélites que transmitiam sinais electrónicos de uns continentes para os outros. Era possível instalar fábricas enormes em qualquer lado onde a mão-de-obra fosse barata e os transportes fossem adequados. Os estabelecimentos familiares deram lugar a armazéns, a que se seguiram grandes cadeias, grandes lojas de desconto, «Super-armazéns», «Hipermercados» e empresas de venda directa com catálogos garridos, cujos artigos são entregues ao domicílio - de um dia para o outro, se for essa a vontade do cliente - por mensageiros.

  No bazar global emergente, a distância está condenada a desaparecer. A economia está a afastar-se dos objectivos e a caminhar para serviços insignificantes que podem ser transmitidos para qualquer parte do mundo quase a custo zero. O valor do mercado de quase tudo irrompe de satélites ou desloca-se através de cabos de fibra óptica à velocidade da luz. Nos anos 80 cerca de 80 por cento do custo de um novo computador correspondia a hardware, e os 20 por cento restantes aos software. Hoje a razão inverteu-se e continua a aumentar. Não tardará que o hardware desaparecerá e será substituído por aparelhos com a espessura de uma bolacha ou mesmo a de uma folha de papel, que pouco mais não são do que software copiado e aperfeiçoado.

  Com tudo ao alcance de um simples clique no teclado, há menos razões para comprar localmente. As economias locais não irão desaparecer tão depressa, mas sofrerão um forte desgaste provocado pela Internet. Habitualmente, a nossa selecção de livros estava limitada ao que havia na livraria do nosso bairro ou ao que podíamos encomendar através dela; surgiram cadeias enormes com maior variedade, mais descontos e maior rapidez na execução de encomendas; seguiram-se livrarias electrónicas como a Amazon, através da qual é possível receber um livro qualquer em poucos dias, mesmo que vivamos a centenas de quilómetros de uma livraria. Hoje, os livros electrónicos podem transitar directamente do autor para o nosso computador. Dentro de pouco tempo, o conteúdo dos livros será enviado através da Web para a nossa biblioteca de livros digitais.

  Os filmes e os vídeos transitam directamente das salas de montagem para o nosso ecrã através da Internet; já começaram a chegar às salas de cinema por esta via. Conferências, seminários, livros, material educativo e testes passarão a emanar dos centros localizados algures e serão enviados para os estudantes, onde quer que residam.

  Passaremos a dispensar os vendedores de automóveis e os mecânicos locais. Uma grande parte do valor de um automóvel novo já reside nos pequenos mecanismos electrónicos que nos indicam a melhor maneira de seguirem as nossas instruções quando carregamos inocentemente no acelerador ou fazemos girar o volante. Dentro de algum tempo, os técnicos conseguirão, de qualquer lado, reparar estes minúsculos cérebros automóveis, tal como os técnicos das companhias de telecomunicações já conseguem reparar uma avaria da nossa linha sem se deslocarem a nossa casa. Será possível melhorar o cérebro do nosso automóvel - dar-lhe mais potência, aumentar a economia de combustível, conseguir um melhor desempenho em geral - sem levarmos o carro a uma oficina para fazer um transplante. Teremos acesso a um menu de novas funções através da Internet, seleccionando o que desejamos com um simples clique e, num abrir e fechar de olhos, estará um novo carro à nossa espera à porta da nossa casa. O custo da expedição, seja qual for a origem, será mínimo.

  Também os frigoríficos emitirão pedidos de socorro electrónicos quando algo correr mal e serão reparados online. Os sistemas de informação cada vez mais são reparados, reconfigurados e melhorados através da Internet.


  Há várias décadas que as barreiras comerciais estão a cair, mas a tendência dominante vai no sentido de serem transaccionadas menos coisas e mais intangíveis. Uma parte cada vez maior do comércio internacional corresponde a vídeos, música, filmes, programas de televisão, notícias, marketing, finanças, apoio jurídico e engenharia, que já não precisam de estar localizados junto dos seus clientes.

  É muito frequente ouvirmos falar em tecnologia e globalização como se trata-se de duas tendências distintas, mas elas estão a transformar-se numa e mesma coisa. O comércio e as finanças globais depende de avanços tecnológicos que conseguem deslocar instantaneamente símbolos digitais; e as tecnologias avançam porque a competição cada vez mais forte em todo o mundo permite fazer todo o tipo de coisas melhores, mais depressa e mais barato. Tanto a língua inglesa como os modelos de software amplamente utilizados começam a tornar-se sistemas universais de comunicação global, dado o elevado número de tecnologias que dependem deles.

  O facto de, numa economia avançada as pessoas gastarem mais em intangíveis do que em objectos tridimensionais leva a que algumas pessoas mais primitivas se sintam um pouco desconfortáveis, mas essa tendência não deve constituir motivo de preocupação. A grande maioria das pessoas que vivem em economias avançadas não têm grandes dificuldades em adquirir alimentos, vestuário e residência adequadas nem em satisfazer outras necessidades tangíveis na vida. O maior valor e o consumo mais ávido situam-se na esfera psicológica: rapidez e conveniência, entretenimento, estímulo intelectual, sentimentos de bem-estar e segurança financeira. É raro (infelizmente) o ser humano que se sente satisfeito nestes domínios; o aumento da riqueza abre o apetite para sermos cada vez mais ricos...


  Jorge Neves
 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.