O mundo em que hoje vivemos mostra-se precário. Um horrendo ataque terrorista demonstra que nunca podemos estar seguros. Ele destrói a nossa confiança naquilo que é permanente e previsível. De repente, as preocupações pessoais, que eram grandes antes do ataque, parecem-nos triviais.
Ao mesmo tempo na esfera económica, a turbulência é muito maior do que há alguns anos. O dinheiro desloca-se mais depressa. Criam-se novas empresas que florescem e, em seguida, desaparecem, num abrir e fechar do olhos. Os postos de trabalho aparecem e desaparecem. A imaginação fornece novas ideias, que logo são substituídas por outras. É cada vez maior o frenesim gerador de bolhas especulativas que depressa incham e logo rebentam. Exemplo as empresas de informática que alastraram por vários locais.
Ideias, falatório, ruído, capitais especulativos «coisas novas», notoriedade e modas efémeras de toda a espécie redopiam à volta do mundo, congregando energias à sua passagem e dissipando-se em seguida como tornados ao chegarem a terra firme.
A economia global parece estar em alvoroço. É provável que esteja a evoluir com uma exuberância que alguns qualificarão de irracional, porque esse surto de crescimento aumentará drasticamente, para logo cair a pique. Todavia, ao atribuirmos estas alterações comportamentais ao domínio do irracional, estamos a esquecer uma realidade fundamental: encontramo-nos perante um tipo de economia, assente em inovações rápidas e em surtos de procura. Os investidores e os consumidores não são irracionais pelo facto de se envolverem em actividades especulativas mais febris do que as anteriores, de movimentarem mais depressa o seu dinheiro, de recorrerem a um leque de opções mais amplo ou de mudarem de uma coisa para outra, a uma velocidade vertiginosa. A Nova Economia é que os convida a tal comportamento.
A turbulência está a aumentar. Para sobreviverem todas as grandes empresas tentam transferir os riscos da incerteza para outras. Entre os destinatários dessa transferência figuram os subcontratantes mais pequenos. E os empregados? Quando a empresa é boa, os empregados sentem-se mais prósperos do que antes - as opções de compra de acções,os bónus, o preço do trabalho regular e extraordinário e os planos de participação nos lucros aumentam. Quando a empresa é má, eles sentem-se relativamente mais pobres, porque todos estes sofrem uma redução, e alguns empregados perdem os seus postos de trabalho. Deste modo, qualquer pequeno aumento ou diminuição nos lucros se repercute rapidamente na vida de um grande número de pessoas.
Estes mesmos aumentos e diminuições fazem ricochete a nível global. As exportações e as importações de um país sobem ou descem a pique, consoante as convulsões que ocorrem no seio de um importante parceiro comercial. O capital financeiro foge de um sítio para o outro, consoante as moedas estão em subida ou em queda ou se registam lucros ou prejuízos. As oscilações registadas nos balanços das filiais no estrangeiro geram uma volatilidade que é ainda mais direccionada para a casa-mãe.
Não é consensual que esta turbulência crescente seja justificada por maiores taxas de produtividade, por um crescimento mais rápido e por uma maior flexibilidade da economia no seu conjunto. Nem que, bem feitas as contas, esta nova economia nos proporcione uma vida melhor. Afinal, uma economia forte não é um fim em si mesma. Do mesmo modo, uma sociedade não existe para reforçar a sua economia. Uma economia devia ser avaliada pelo modo como apoia e fomenta os valores mais profundos de uma sociedade.
O problema reside em tirar proveito da nova economia e, ao mesmo tempo, preservar ou aumentar os valores que nos são caros, como a paz de espírito, a família e a comunidades, que hoje se encontram ameaçados. Talvez uma recessão temporária conduza a este tipo de reflexão.
Aliás, as inquietações mais profundas desta época não são apenas de natureza económica. Prendem-se com o desgaste das nossas famílias, a fragmentação das nossas comunidades e o desafio que é manter a nossa própria integridade. Elas fazem parte integrante da economia emergente, a par dos enormes benefícios como a prosperidade, a inovação e as novas opções e oportunidades.
O terrorismo criou outro nível de inquietação. O facto de se ter presenciado um assassínio em massa e de se saber que tal pode voltar a acontecer está a levar muita gente a reavaliar as suas prioridades. A família, a amizade e a comunidade parecem mais próximas do cerne da nossa vida do que a carreira profissional, a riqueza e a posição social.
Encarar a luta por um melhor equilíbrio entre o que fazemos para ganhar a vida e o que fazemos com a nossa vida sob um prisma exclusivamente pessoal e privado equivale a ignorar as tendências mais abrangentes que afectam os pratos da balança. Não se trata apenas de uma opção pessoal nem de uma questão de equilíbrio individual. Trata-se igualmente de saber como é que a economia deve funcionar e como é que o trabalho deve ser organizado e recompensado.
Trata-se de criar uma economia mais humanizada e uma sociedade mais equilibrada.
Apesar da turbulência económica, muitos de nós vivem melhor em termos materiais do que viviam (os nossos pais) há vinte e cinco anos, mais ou menos quando surgiram algumas tecnologias em que assenta a nova economia - o micro-chip, o computador pessoal, a Internet. Mas aqui é que está o inigma fundamental. Nessa época, estávamos convencidos de que seria mais fácil, e não mais difícil, atender àqueles sectores da nossa vida que existem para além do trabalho remunerado. Contudo, na maior parte dos casos, trabalhamos hoje mais tempo e com mais frenesim do que antes, e o tempo e a energia que sobram para o resto da nossa vida estão a evaporar-se.
Porque será? Se aquilo que fazemos para ganhar dinheiro nos proporciona uma vida decente, por que motivo é que a nossa vida pessoal está a ficar mais pobre? Os futurólogos dos anos 50 e 60 pensaram no que faríamos no século seguinte com o tempo livre de que passaríamos a dispor, graças à tecnologia. Até economistas da altura previam alegremente que, daí a um século, alguns países mais prósperos estariam oito vezes melhor na esfera económica, ao ponto de poderem optar por trabalhar apenas quinze horas por semana.
Talvez tenham acertado quanto à probabilidade de a maioria das pessoas ter uma vida material bastante melhor, mas erraram quanto ao menor número de horas de trabalho.
É claro que nem todas as pessoas têm uma situação material muito mais desafogada do que há vinte e cinco anos. Algumas nem sequer melhoraram. E muitas trabalham mais, porque não têm alternativa. Mas isso é que é estranho: quanto mais ricos somos, mais provável é que dediquemos mais tempo, e com mais angustia, ao trabalho, ao ponto de ficarmos obcecados se não estivermos a trabalhar. Uma vida profissional frenética pode ou não contribuir para que vivamos melhor, mas o facto de vivermos melhor parece gerar um maior frenesim.
Ouvimos coros de vozes que nos aconselham a abrandar. No entanto, são cada vez mais aqueles que parecem acelerar. Afirmamos ainda com mais veemência que damos valor à família. Então porque é que as nossas famílias diminuem e os laços familiares se quebram - menos filhos ou ausência de filhos, menos casamentos mais uniões temporárias, mais subcontratação de tarefas familiares a estabelecimentos que vendem comida para fora, terapeutas, psicólogos e educadores infantis? Falamos mais apaixonadamente do que nunca das virtudes da «comunidade». E no entanto as nossas comunidades estão a fragmentar-se em enclaves repletos de pessoas com níveis de rendimentos semelhantes - os mais ricos, protegidos por altos muros e portões; os mais pobres, isolados e ignorados.
Estamos a ser atingidos por uma hipocrisia de massas? Por um delírio de massas? Provavelmente não. A maioria das pessoas parece ser sincera na sua procura de uma vida mais equilibrada. O problema é que é cada vez mais difícil atingir o equilíbrio entre GANHAR A VIDA e CONSTRUIR A VIDA, porque a lógica da Nova Economia dita que se preste mais atenção ao trabalho do que à vida pessoal.
Em suma:
A economia emergente, com a turbulência que lhe está associada e tudo o resto, oferece oportunidades completamente novas, uma escolha cada vez maior de negócios, acordos fabulosos, bons produtos, excelentes investimentos a longo prazo e empregos fabulosos para pessoas com as aptidões e os conhecimentos certos. Na história da humanidade, nunca tantos tiveram acesso a tanta coisa com tanta facilidade.
A tecnologia é o motor. Nas comunicações, nos transportes e no processamento de informação, as novas tecnologias que ganharam ímpeto nas décadas 80 e 90 do século passado avançam hoje a uma velocidade estonteante. Elas permitem descobrir e conseguir melhores negócios em toda a parte e mudar instantaneamente para outros ainda melhores. Estas tecnologias estão a intensificar radicalmente a concorrência entre vendedores, o que por sua vez provoca uma onda de inovação. Para sobreviver, todas as organizações são obrigadas a introduzir aperfeiçoamentos drásticos e contínuos, nomeadamente reduzindo custos, acrescentando valor e criando novos produtos. O resultado desta agitação é o aumento da produtividade produtos e serviços melhores, mais rápidos e mais baratos de toda a espécie.
Em termos económicos, a longo prazo, tudo isto redunda inequivocamente em nosso benefício. Mas o que faz ao resto da nossa vida - àqueles sectores que dependem de relações sólidas, de continuidade e de estabilidade - é muito problemático. Não existe aqui nenhuma trama diabólica, nenhuma armadilha astuciosamente montada por empresas malévolas e capitalistas gananciosas. É tudo uma questão de lógica, pura e simplesmente.
Quanto mais depressa a economia muda - com outras inovações e oportunidades que geram mudanças mais rápidas dos clientes e dos investidores -, mais difícil é ter confiança no que qualquer de nós vai ganhar no ano ou mesmo no mês seguinte, no que estará a fazer ou onde. Consequentemente, a nossa vida é menos previsível.
Quanto mais forte é a concorrência, no sentido de oferecer melhores produtos e serviços, maior é a procura de pessoas com ideias e visão. E como a procura desses pessoas aumenta mais depressa do que a oferta, os seus ganhos são empurrados para cima. Todavia, é essa mesma concorrência que empurra para baixo os salários das pessoas que executam trabalho de rotina, o qual pode ser feito mais depressa e com menos custos por hardware e software, ou por trabalhadores de outras regiões do mundo. É por isso que as disparidades salariais estão a aumentar cada vez mais.
Por último, quanto mais amplo é o leque de opções e mais fáceis são as mudanças, menor é a dificuldade de as pessoas se juntarem a outras com o mesmo nível de instrução, riqueza e saúde, em comunidades residenciais, escolas, universidades. E é mais fácil também para elas excluírem os mais lentos, os mais pobres, os mais doentes, ou, por outras palavras, os mais desprotegidos, cujas necessidades são maiores. É por isso que a nossa sociedade está cada vez mais fragmentada.
Em suma, as recompensas da Nova Economia paga-se com vidas mais agitadas, menos seguras, mais divergentes na esfera económica e mais estratificada no domínio social. À medida que os compradores e os investidores mudam mais facilmente para negócios mais rentáveis, menor vai sendo a nossa capacidade de atraí-los e mais teremos de trabalhar para isso.Quanto menos previsíveis forem os nossos ganhos, mais teremos de lutar pela vida. Quanto mais subirem as apostas - no sentido de uma maior riqueza ou de uma relativa pobreza - mais teremos de lutar por integrar o círculo dos vencedores e por reservar nele um lugar para os nossos filhos.
Por todos estes motivos, quase todos nós trabalhamos mais e com maior frenesim do que há várias décadas.
Talvez o preço a pagar valha a pena. Os negócios fabulosos estão a beneficiar todos nós, de mil e uma maneiras. Mas, embora o preço seja aceitável nos dias de hoje, continuará a sê-lo no futuro?
É inegável que temos muitos motivos para festejar a nova economia. Apesar da turbulência e das incertezas que o caracterizam, o capitalismo triunfou em todo o mundo, e os motivos estão à vista. Os arautos da desgraça que afirmam que as tecnologias mais avançadas eliminarão postos de trabalho e lançarão na pobreza a maior parte da humanidade estão errados, ou mesmo loucos. Os isolacionistas e os xenófobos, que querem trancar as portas e reduzir o comércio e a imigração, estão desorientados, perigosamente desorientados. Os populistas paranóicos que afirmam que as empresas globais e os capitalistas internacionais estão a conspirar contra todos nós estão enganados, talvez alucinados. Nós todos estamos a beneficiar fortemente com a nova economia. Apesar dos altos e baixos, continuamos a arrecadar os lucros das suas inovações, dos seus preços mais baixos e da sua concorrência feroz.
E no entanto... por muito extraordinário que seja a nova economia, a sua volatilidade e as inseguranças que lhe estão associadas afectam profundamente os outros aspectos da nossa vida - a nossa família, os nossos amigos, as nossas comunidades, nós próprios. Estas perdas acompanham de perto os nossos ganhos. São, de certo modo, as duas faces da mesma moeda. E tanto as perdas como os ganhos tendem a aumentar no futuro.Trabalharmos ainda mais para competir num sistema em que a competição é cada vez mais feroz; vendemo-nos com uma determinação crescente num sistema que está a transformar quase todos nós em auto promotores; separarmo-nos pela riqueza, pela educação e pela saúde num sistema em que a discriminação é cada vez mais fácil... Estes fenómenos são os motores de si próprios. Quanto mais pessoas se lhes juntarem, mais desequilibrada será a situação e mais difícil será para qualquer indivíduo escolher um caminho diferente.
Estas tendências são verdadeiramente fortes, mas não são irreversíveis, ou pelo menos não são inalteráveis. Podemos, se assim o desejarmos reavaliar o nosso padrão de sucesso. Podemos afirmar que o valor da nossa vida não se mede em números, que a qualidade da nossa sociedade o o nosso PNB são realidades diferentes. Podemos alterar prioridades subitamente abaladas por uma tragédia de massas, como um ataque terrorista, e reconhecer que as relações com a família, os amigos e a vida em comunidade constituem a principal razão de ser da nossa vida. Podemos, se assim o desejarmos, optar por uma vida mais cheia e equilibrada, e podemos criar uma sociedade igualmente mais equilibrada e justa. chegou o momento em que alguma coisa tem de ser feita.
Em próximos apontamentos aqui no meu blog, tentarei explicar algumas desta tendências.
Jorge Neves