segunda-feira, 14 de outubro de 2013

REFLEXÕES POLÍTICAS - ESTALINE QUERIA A OMNIPOTÊNCIA E O RATO MICKEY CONSEGUIU A OMNIPRESENÇA








   Mas porque terá sido justamente o ideal de vida Americano o que prevaleceu?
  Porque terá Disney passado por cima de todo o resto?
  A dimensão nacional do mercado norte-americano, a posição de poderio geopolítico  dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, o seu poder nas batalhas de propaganda da guerra fria terão certamente desempenhado um papel central, embora não o único papel decisivo. Por outras palavras: Estaline queria a omnipotência e o Rato Mickey conseguiu a omnipresença.
  O magnata dos média Michael Eisner, presidente do conselho de administração e presidente da Walt Disney Company, tem a sua própria interpretação: «O entertainment norte-americano veicula uma grande quantidade de possibilidades individuais, de escolhas individuais e de expressão individual. É isso que as pessoas de todo o mundo querem.» E acrescenta este representante de Hollywood, despreocupadamente: «A indústria norte-americana do entretenimento, resultado de uma liberdade criativa sem limites, produz uma originalidade que não se encontra em mais nenhum local do mundo. Uma personalidade que fortemente ataca este sistema chama-se Benjamim R. Barber e dirige o Walt Whitman Center University, em New Jersey. Foi ele quem inventou a fórmula, hoje clássica, « Jihad contra McWorld». Para ele, a tese da diversidade desenvolvida por Eisner é uma «mentira pura e simples» Esse mito mistura dois pontos decisivos: o tipo de escolha e a pretensa independência dos desejos. Em numerosas cidades norte-americanas e europeias pode escolher-se, por exemplo, entre dezenas de modelos de automóveis, mas não se pode optar entre vários meios de transportes públicos. E como é possível afirmar com seriedade que o mercado dá às pessoas unicamente o que elas desejam, quando se concede à indústria publicitária um orçamento de mais de um bilião de dólares? Não será a cadeia de televisão MTV apenas um canal publicitário que assegura ao longo de vinte e quatro horas por dia a promoção da indústria musical?
 Para Barber, o fulgurante sucesso da «colonização da cultura mundial pela Disney», baseia-se num fenómeno tão antigo quanto a civilização: a competição entre o pesado e o leve, o lento e o rápido, o complexo e o simples. Os primeiros destes pares de termos estão sempre associados a prestações culturais admiradas, correspondendo os segundos «à nossa indiferença, ao nosso desleixo, à nossa preguiça. A Disney, o McDonald's e a MTV, como exemplo, seduzem-nos a todos pelo lado fácil, rápido e simples».
  Devam-se as causas do triunfo de Hollywood à avaliação de Eisner ou à de Barber, as consequências concretas desse êxito são omnipresentes. A cada esquina, encontramo-nos diante de Cindy Crawford ou de Pocahontas, como em outras áreas esbarramos numa garrafa de Coca Cola ou num logótipo da Nokia, da mesma forma que na outrora União Soviética havia uma estátua de Lenine de cem em cem metros.

  O grande desejo do grito uniforme

  Mas quanto mais se internacionalizou o mercado das imagens, mais limitado ele se tornou. Em média, a indústria cinematográfica norte-americana consagra a cada file de ficção 125 milhões de dólares, quantia que os produtores europeus ou indianos são absolutamente incapazes de reunir. Seja no domínio da técnica seja no domínio dos cenários, estes dispendiosos filmes fixam constantemente novas normas, normas essas que os seus concorrentes raramente satisfazem. Nestas condições, a atracção exercida por Hollywood e por Nova Iorque cresce constantemente.
  A diversidade que nos prometem para o futuro, a de por exemplo os quinhentos canais de televisão a que todos os lares poderão ter acesso, não é igualmente mais do que uma aparência. Um pequeno número de líderes do mercado transformarão e reciclarão a sua mercadoria num grande número de locais de retransmissão, em função das expectativas do seu grupo-alvo. Paralelamente, hoje em dia e de futuro, a caça às audiências favorece e favorecerá as fusões entre as empresas dos mídia e do entretenimento. Os direitos de transmissão, das manifestações desportivas importantes, por exemplo, já não podem ser financiadas senão por enormes receitas publicitárias; ora, estas não podem ser obtidas a não ser por intermédio de grandes cadeias de radiodifusão ou de agências internacionais de venda de espaço publicitário. E os únicos que têm interesse em emitir spots publicitários e em particular as emissões são os fabricantes presentes em toda a zona de transmissão, ou seja, essencialmente, grupos multinacionais.
  Finalmente, as agências publicitárias recorrem a cenários inspirados numa pátria onírica isto é numa pátria de sonhos comum a todos os seus clientes. O grande público europeu já está tão seduzido por Nova Iorque e pelo Oeste selvagem que na noite em que a cadeia de televisão RTL  emitiu a final de futebol da Liga dos Campeões, já no longínquo Maio de 1996, mais de metade dos seus spots publicitários remetiam para clichés provenientes desse mundo longínquo e aparentemente familiar. Hoje em dia, para acompanhar e cerveja Beck's, o sol vermelho já não mergulha no mar em Capri, mas atrás da Golden Gate; os pneus Continental já não chiam sobre o asfalto alemão de Nuburgring, mas nas ravinas sobre as quais se debruçam os arranha-céus de Manhattan etc, etc, etc...
  Também na Europa, o desporto, mercadoria cultural, está cada vez mais a transformar-se numa mercadoria para uma sociedade do lazer obnubilada, ou seja deslumbrada pelo desing e que aplaude entusiasticamente as embalagens enganadoras.
 Na Fifa pede-se que os intervalos dos jogos de futebol sejam mais longos, a fim de dar mais espaço à publicidade, tal como no futebol norte-americano. O Bayern de Munique equipa do Sul da Alemanha, vende agora mais camisolas em Hamburgo, no Norte do país do que os dois clubes de Hamburgo que participam no campeonato nacional. Como também são cada vez mais difíceis as controvérsias surgirem das comparações tradicionais entre as cidades,  «há que criá-las artificialmente, opondo os jogadores aos jogadores, os jogadores ao treinador, e o treinador ao presidente». 
  Como uma charrua a dar a volta ao mundo, a procura destes produtos aos quais se assegura uma publicidade global e desejados por milhões e milhões de indivíduos veio revolucionar o comércio tradicional de todas as cidades do mundo.
  Hoje em dia, conseguiu-se «transformar a sede em necessidade de Coca-Cola», para utilizar a maliciosa expressão outrora utilizada pelo pensador Ivan Illich. As metrópoles são hoje dominadas pelos mesmos logótipos por todos conhecidos, A reflexão e as mercadorias acumulam-se nos filmes propostos pelas salas de cinema e nos gostos musicais em vigor: todos se uniformizam, a um ritmo frequentemente destrutivo para os antigos produtores nacionais. De Lisboa a Praga, passando pelo Marais, velho bairro parisiense, os cenários são cada vez mais semelhantes: lojas uniformes invadem os centros das cidades outrora específicos e geradores de identidade. Cadeias internacionais de lojas apoderam-se dos melhores locais: restaurantes Fast- Food estandardizados  atraentes lojas de pronto-a-vestir ou cosméticos inodoros abrem aí por todo o lado..etc...etc...etc.
  Numa palavra: todo está em toda a parte.


  Jorge Neves

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