quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

NA NOVA ECONOMIA UMA NOTA CAUTELAR SOBRE A FRAGILIDADE DA CONFIANÇA





  Na velha economia, as marcas representavam determinados produtos e serviços. Para toda a gente a Disney era uma determinada empresa cinematográfica. O objectivo de uma marca era induzir os consumidores a comprar determinados objectos identificáveis. Uma empresa com uma marca célebre podia alargar a sua linha de produtos, mas os compradores continuavam a usar a marca como uma forma de identificar certos bens e serviços. Mas na economia emergente - com todas as suas opções, o seu ruído e a sua densidade -, muitas vezes os compradores não sabem o que querem e usam o portal da marca como um meio para descobri-lo. Os grandes portais de marca representam soluções, mais do que produtos específicos. A Disney já não é um determinado tipo de banda desenhada. É um guia para o entretenimento familiar de qualidade, que reúne uma panóplia de fornecedores.

  Os portais de marca só conseguem manter a sua reputação de fiabilidade se continuarem a comportar-se como agentes dos compradores e não como vendedores. Não podem ser agentes duplos. Se um portal de marca encaminhar os compradores para um mau negócio, ou mesmo para um que seja bom substancialmente inferior a outro que os compradores já conheçam de outro lado,  estes perderão a confiança no portal, e esta perda de confiança irá afectar todos os outros vendedores que dependem dele para ter acesso aos compradores. É natural que todos os vendedores queiram estar ligados a um portal de marca de prestígio, mas o valor deste depende de estar ligado apenas a vendedores que estão em condições de fazer as entregas. O valor de uma marca deteriora-se quando ela deixa de ser um excelente guia para aquilo que é excelente.

  É claro que um portal de marca pode publicitar ou promover determinados produtos ou serviços. Mas se quiser manter a confiança do comprador, tem de estabelecer a distinção entre promoções e conselhos.

  Um portal de marca também pode perder a sua identidade se a sua esfera de actividade se tornar tão ampla que os compradores já não saibam no que hão-de confiar.

  Como exemplo poucas pessoas confiariam na à Microsoft a gestão das suas finanças pessoais (embora possam confiar na MIcrosoft como fonte de softwere financeiro).


  GRANDES OU PEQUENAS?

  A Dinâmica a que me refiro - a necessidade competitiva que certos pequenos vendedores têm de associar-se a portais de marca grandes e fiáveis, e que os grandes portais de marca têm de passar de produtores a representantes dos compradores - explica um aparente paradoxo da economia moderna. É ele a explosão simultânea de empresas de «nicho», a par de uma nova vaga de fusões e consolidações.

  Aliás, estas duas tendências complementam-se uma à outra. Os grupos de pequenas empresas estão permanentemente a tentar encontrar novas maneiras de produzir melhores artigos por menos dinheiro e a inventar produtos novos. Estas pequenas empresas estão no cerne do processo de inovação do economista Schumpeter. Entretanto, os grandes portais de marca estão a orientar os compradores  para um aglomerado de produtos e serviços cada vez mais complexo. Para sobreviverem e crescerem, também os portais de marca têm de descobrir continuamente melhores métodos de orientação.

  A explosão de fusões que se registou nos últimos anos é fundamentalmente diferente da que ocorreu entre 1885 e 1910, que deu origem à General Motors, à General Electric e muitas outras. Nessa época, o objectivo era estabilizar o mercado e ganhar economias de escala no domínio da produção. Hoje, o objectivo principal é comercializar marcas globais. Os média, as telecomunicações e os gigantes financeiros actuais serão bem-sucedidos, na medida em que oferecerem portais de marca mais convenientes, reconhecíveis e fiáveis, proporcionando aos compradores um melhor acesso e um controle da qualidade, ao mesmo tempo que fornecem às empresas vendedoras mais informação acerca das necessidades dos compradores. As fusões serão menos bem-sucedidas, ou talvez verdadeiros fracassos se o seu objectivo principal for ganhar economias de escala para fabricar um determinado produto. Hoje em dia a rapidez e a sagacidade contam muito mais do que a produção. Nisto, uma organização gigantesca e burocrática não pode ter esperança de competir com as pequenas empresas.

  A relação emergente é a simbiose. Os grupos de empresas especializam-se na criação de grandes produtos. Um grupo comparativamente pequeno de grandes marcas (que não tem necessariamente de possuir muitos activos tangíveis nem de empregar muita gente) funciona como conselheiro fiável dos consumidores. É possível, evidentemente, que um grupo de empresas se torne tão conhecido por um produto superior que a relação acabe por inverter-se .

  As empresas completam-se. Umas fornecem os conteúdos, outras atraem as atenções.
  Estas alianças constituem os alicerces organizacionais da Nova Economia.

  DESESPERADAMENTE  PROCURANDO A COLAGEM

  Mesmo depois de atrair o cliente, o desafio de um vendedor ainda não terminou. Ele tem de conservar o cliente. Este tem o poder de abandoná-lo instantaneamente. Com um simples clicar ele passa à história. O vendedor depende mais do cliente do que este depende dele, porque é muito mais dispendioso ganhar um novo cliente do que descobrir um novo vendedor. «Você depois de encontrar o comprador nunca o deixe fugir». Compete ao vendedor descobrir a maneira de fazer com que o cliente se mantenha colado a ele.

  Há várias técnicas para aumentar esta «colagem» A mais simples consiste em continuar a reduzir o preço e a acrescentar valor àquilo que o vendedor oferece para que o cliente não tenha razões para mudar. Acompanhe de perto o desempenho dos seus rivais. Se eles descobrirem uma nova maneira de reduzir custos, melhorar a qualidade ou inventar algo melhor, faça imediatamente o mesmo. Acima de tudo, acarinhe o seu cliente. Satisfaça-o com a sua atitude.Ofereça-lhe vantagens especiais, se ele se mantiver fiel.

  O vendedor deve convencer o cliente a fornecer-lhe mais dados pessoais para poder trabalhar os bens e os serviços à medida das suas necessidades. Quantos mais dados ele fornecer e quanto mais partido tirar deles, mais estreita será a relação entre ambos e maior será a dificuldade de qualquer rival entrar no circuito.

  O chamado «agente inteligente» é um tipo de softwere que pode cimentar esta relação. A Amazon.com completa os seus compradores na Web com recomendações de outros livros e música de que eles possam gostar, com base na análise de encomendas anteriores. Com mais dados adicionais, um agente inteligente pode concluir sobre as preferências por toda uma gama de artigos. Se um cliente revela uma preferência por um determinado tipo de música, alimento ou livro, por exemplo, o agente pode sugerir um filme que seja igualmente apelativo - comparando as músicas, os alimentos e os livros que o cliente escolheu com as escolhas de outras pessoas cujos gostos musicais, alimentares são semelhantes, registando em seguida quais os filmes de que as segundas gostaram e deduzindo qual os filmes o cliente pode apreciar também. Um cliente não é tão único como à primeira vista possa parecer; algures na ciberlândia existe outra pessoa com gostos idênticos. Quanto mais dados o agente conseguir recolher acerca do cliente, mais próximo estará de descobrir o seu clone em termos de gostos.

  As grandes marcas encontram-se numa posição ideal para recolher dados. As bases de dados de clientes constituem outro dos seus activos preciosos, visto que permitem associar os clientes aos vendedores cuja probabilidade de os satisfazer é maior. Se a privacidade for uma preocupação, o mercado também pode responder, pelo menos em parte. É de esperar que os compradores que preferem que apenas alguns dados acerca deles sejam usados, e só para determinados fins, sejam atraídos para portais de marca que respeitem as suas preferências. E os portais de marca sensíveis ao possível uso indevido desses dados ganharão uma vantagem competitiva sobre os outros.

  É claro que, embora a colagem seja vantajosa para o vendedor, não é necessariamente benéfica para o cliente. Apesar de este conseguir bens e serviços mais personalizados graças às informações que fornece a seu respeito, a colagem dificulta a mudança para um dos rivais do vendedor. Do ponto de vista deste, escusado é dizer que é exactamente esse o objectivo; se um rival possuir tanta informação como ele, poderá propor negócios ainda melhores aos clientes. O que talvez venha a acontecer é que os compradores se apercebem do valor comercial dos seus dados pessoais. Eles «armazená-los-ão» em bancos de dados que eles próprios constroem - «Eu.com», o que lhes permitirá cedê-los a outro vendedor qualquer para conseguirem um negócio mais vantajoso. A economia emergente confere aos consumidores um poder que eles não têm motivo para ceder, e os rivais farão tudo para que isso não aconteça.

  A COLAGEM TOTAL

  Se tudo o resto falhar, existe uma última técnica para ajudar a induzir a fidelidade do consumidor: a criação de um sistema de interconectividade cuja utilização seja tão ampla que, na prática, todos os vendedores sejam obrigados a recorrer a ele,  assim como todos os compradores. Em última análise, os sistemas de colagem são uma espécie de línguas: se as pessoas usarem uma delas, as outras da vizinhança farão o mesmo se quiserem comunicar devidamente. O inglês está a transformar-se na primeira língua universal, porque tantos são os compradores e os vendedores que a usam que outros compradores e vendedores de todo o mundo se vêm obrigados a fazer o mesmo para participarem no mercado global. 

  Mas cuidado! Esta questão das colagens pode ser um obstáculo á inovação.
  Uma colagem pode ser excessiva se abrandar o ritmo da mudança tecnológica.


  INOVAR OU MORRER

  Impõe-se um breve resumo. O primeiro princípio da Nova Economia é que as opções estão a aumentar e os compradores têm cada vez mais facilidade em mudar e conseguir um negócio melhor. O segundo princípio é que esse leque de opções e essa facilidade de mudança estão a reduzir a segurança dos vendedores e a torná-los mais vulneráveis à concorrência, fomentando a inovação.

  As grandes marcas estão a encaminhar os clientes para os vendedores que lhes propõem os melhores negócios. Os governos estão de olhos postos na colagem excessiva, nos modelos ou protocolos privados de interconectividade que, uma vez universalizados, abafam as novas ideias.

  Os concorrentes vencedores são os mais rápidos a baixar os preços e a aumentar o valor através dos intermediários de marcas fiáveis. Mas a «vitória» é temporária, e a corrida é interminável. Os que vão à frente não se atrevem a deixar de inovar, com o receio de ficarem para trás.

  Estamos a assistir a uma explosão de inovação que conduz a melhores produtos e serviços. A produtividade está a aumentar, e a inflação a atingir níveis moderados.  Os compradores estão a beneficiar de custos mais baixos e de melhores valores.


  Esta tendência não deve ser sobrevalorizada. Continuam a existir muitos sectores da economia em que a produção em larga escala subsiste. Talvez as eficiências da produção de escala nunca desapareçam totalmente. A inovação está a surgir mais rapidamente nos domínios em que a tecnologia proporciona aos clientes as opções mais amplas e os meios mais fáceis de mudar para melhores negócios: no entretenimento, na finança, nos novos média, no softwere e nas comunicações via Internet. Não é por acaso que estes são também os sectores da economia em que o crescimento é mais rápido. Mas também há outros a mudar. Uma grande parte do sector do retalho está em vias de ser transformado pela Internet. Industrias antigas e pesadas, como a automóvel, a química e a metalurgia, estão a passar da produção em massa para produtos  mais ao gosto do cliente e a usar os leilões da Web para descobrir os melhores fornecedores.

  Na medida em que a tecnologia é o destino, o espírito inovador continuará a estender-se a toda a economia. Isto é indiscutivelmente agradável para todos os compradores que procuram negócios melhores. Mas atenção! É mais discutível para outros aspectos da nossa vida. É que embora seja a tecnologia a ditar o ritmo, podemos e devemos controlar o nosso destino.


  Jorge Neves 
 
 

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