Há pouco tempo um amigo meu dizia-me o seguinte: «crio jogos que milhares de pessoas podem jogar umas com as outras, ao mesmo tempo na Internet. Passo seis horas por dia a inventar novas ideias e doze horas a vendê-las. E com o meu trabalho, ao ritmo que as coisas se passam, serei rico daqui a um ou dois anos!»
É muito provável que, daqui a dois anos esse meu amigo sofra uma desilusão. Mas não há dúvida de que a procura de pessoas criativas e inovadoras como ele está a aumentar, devido à importância crescente que a inovação tem para a economia. As empresas cujos membros descobrem as hipóteses mais imaginativas, para as quais existe maior procura, é que geram maiores lucros, pelo menos até as rivais as apanharem. Os seus portais de marca inspiram a maior confiança. É provável seja os mais «colantes». E as pessoas que mais contribuem para elas têm (ou tentam ter) os empregos mais lucrativos e muitas vezes mais interessantes.
A procura de inovadores criativos continua a exceder a oferta. Quanto mais facilmente os compradores mudam para melhores negócios, mais forte é a competição. A inovação dissemina-se, atinge mais produtos e penetra em mais organizações. E, onde quer que ela se manifeste, cria uma necessidade competitiva de inovar entre os rivais. Por outras palavras, a oferta de inovadores criativos gera uma procura ainda maior . É, quando a procura de criativos aumenta, aumentam também as suas recompensas económicas, porque a oferta não consegue acompanhar esse ritmo.
O meu amigo e legiões de pessoas na casa dos vinte ou trinta anos são beneficiários directos e imediatos desta situação.
O meu amigo e legiões de pessoas na casa dos vinte ou trinta anos são beneficiários directos e imediatos desta situação.
Existe uma falsa noção de que os inovadores de hoje estão particularmente aptos a utilizar as novas tecnologias de informação, sobretudo os computadores. É possível que muitas pessoas tenham contribuído inadvertidamente para ela, ao utilizar o termo «analista simbólico» para designar os trabalhadores de topo, quase todos altamente qualificados, que aplicam o pensamento sistemático para identificar e resolver problemas.
Como as novas tecnologias envolvem símbolos e aceleram a análise, e como o advento do computador pessoal coincidiu mais ou menos com a época em que os rendimentos dos trabalhadores altamente qualificados começaram a aumentar rapidamente em relação aos dos trabalhadores menos qualificados, parece ser uma conclusão lógica que os computadores e as tecnologias afins são directamente responsáveis por isso. Além disso, parece provável que uma educação que acentue determinadas competências analíticas capazes de complementar as novas tecnologias seja a melhor preparação para o trabalho futuro. Mas estes pressupostos foram, e são, incorrectos.
Aliás, muitas das pessoa que mais valorizadas são na Nova Economia não são particularmente dotadas na utilização de computadores ou de outras tecnologias da informação. O seu valor está apenas tangencialmente ligado aos seus conhecimentos de informática ou à sua capacidade de resolver problemas complexos. Já nem é adequado chamar-lhes «trabalhadores do conhecimento», porque hoje em dia qualquer ramo do conhecimento é facilmente codificado em software. O verdadeiro valor que essas pessoas acrescentam à economia advém da sua CRIATIVIDADE - as suas ideias quanto ao que pode ser feito num determinado domínio (software, finança, legislação, entretenimento, música, física etc.) e num determinado mercado, e quanto à melhor maneira de organizar o trabalho para articular estas duas vertentes. São os trabalhadores Criativos.
Esse meu amigo não possui competências técnicas especiais. Mas aparentemente tem uma fonte de boas ideias quanto ao modo como as pessoas podem unir-se no ciberespaço, através de jogos gigantescos que podem jogar em conjunto. O seu valor está associado ao seu espírito inventivo e às sua ideias acerca do mercado, mais do que ao seu conhecimento da tecnologia digital.
As novas tecnologias de informação são importantes, mas os seus efeitos são indirectos: elas ampliam as boas ideias. A tecnologia aumenta o valor da criatividade permitindo que ela alastre rapidamente através de uma rede organizacional e que acabe por chegar aos consumidores. Como já referi, também oferece mais opções aos consumidores e, deste modo, aumenta a pressão sobre os vendedores, que são obrigados a inovar. As grandes ideias são a nova moeda deste mundo em que vivemos. A tecnologia da informação é o banco que faz circular o dinheiro ainda com mais eficiência.
Umas pessoas podem ser mais criativas do que outras devido aos seus talentos inatos, talvez presentes nos genes que de certo modo estão associados à criatividade.
OS LUNÁTICOS
No cerne da inovação estão duas personalidades distintas, que representam diferentes inclinações, talentos e maneiras de compreender o mundo. A primeira é a do artista ou inventor, do designer, do engenheiro, do génio financeiro, do lunático, do cientista, do escritor ou músico - o indivíduo que, em suma, é capaz de ver novas possibilidades num determinado ambiente e que se deleita a explorá-los e a desenvolvê-las. O ambiente pode ser fortemente técnico, como no software ou na finança, ou mais fluído como nas belas-artes. Esse indivíduo tem prazer em dilatar o ambiente tanto quanto é possível, em pôr à prova os seus limites, em descobrir e resolver novos problemas existentes no seu seio. Chamarei a esse indivíduo um lunático, pois muitas vezes é assim que ele é caricaturado na Nova Economia, mas a verdade é um sonhador, um visionário e, por vezes, um revolucionário. E a sua visão não se limita à tecnologia. O verdadeiro lunático pode ser inspirado por qualquer meio de expressar as suas ideias.
Quando o lunático faz o seu melhor elogio a um determinado software - que este é cool - está a fazer um juízo estético. O software é cool porque é original e belo; atravessou a fronteira convencional e resolveu um problema de um modo surpreendente. O software cool possui talvez um misto de simplicidade e de elegância, ou consegue executar uma operação em que ninguém ainda tinha pensado e pode apreciar totalmente. Ele reflecte saber e destreza da parte do seu criador. O prazer de criá-lo ou possuí-lo nada tem a ver com o seu provável valor no mercado, e tem tudo a ver com a sua arte. É o mesmo prazer que um artista (ou crítico e arte) sente face a um quadro que é tão original como forte, ou que o músico sente ao ouvir (ou a executar) uma composição musical que conduz o ambiente para um nível diferente de intimidade graciosa e mestria. É uma apreciação de um conhecedor profundo. Afinal, «cool» era um termo usado pelos músicos de jazz da geração bee-bop que cortou com as convenções melódicas da sua época e introduziu uma nova estética - um novo ritmo e um novo som.
O prazer de um lunático está associado à novidade e à descoberta. Os psicólogos chamam a isto atenção. Quem é apenas analítico, e não atento, cria opções vulgares e procura optimizar os resultados. Uma pessoa atenta procura descobrir novas possibilidades. «Do ponto de vista da atenção, a reacção de uma destas pessoas a uma determinada situação não consiste apenas em tentar construir a melhor opção entre outras disponíveis, mas em criar opções».
Criar algo que é novo intrinsecamente belo ou «cool» implica um processo de descoberta. Não sabemos o que iremos encontrar quando partimos à descoberta de uma coisa, mas também não estamos completamente em branco.
A criação de novas possibilidades pode ser devastadora. O lunático mistura-se com o software que está a criar; o músico deixa-se arrebatar pelos sons e pelos tempos musicais; o investigador deixa-se absorver pelas amostras e medições. Se um deles ficar sozinho numa sala com o equipamento adequado, conseguirá recorrer a uma fonte quase inesgotável de entusiasmo para descobrir novas hipóteses. O inventor não é um ser anti-social nem um misantropo. Mas a empatia não é o seu forte. Muitas vezes, agrada-lhe mais interagir com a tecnologia, ou com a música, o cinema ou outro ambiente. O prazer que ele extrai de interagir com outras pessoas advém do trabalho de equipa, do entusiasmo da invenção partilhada e das centelhas que se elevam no ar quando as mentes conspiram e colidem no mesmo ambiente. É o trabalho partilhado do conjunto musical, do grupo de teatro, da equipa de investigação, do workshop de escritores.
A alegria conjunta advém da colaboração que permitiu alcançar algo ainda mais belo, ainda mais cool.
OS PSICÓLOGOS
O Lunático é uma fonte necessária, mas não suficiente, de inovação comercial. Há uma segunda personalidade que também é essencial. É a do vendedor, do representante de talento, do mago, daquele que identifica tendências, do produtor, do consultor, do lutador, em suma, da pessoa que consegue identificar as hipóteses existentes no mercado e que outras pessoas podem querer ter, ver ou aproveitar, e que sabe como há-de concretizá-las.
Este segundo tipo de personalidade não é menos criativo que o do artista, do inventor ou do lunático, mas a sua criatividade é diferente. Em vez de procurar a novidade num ambiente específico e de se congratular com o facto de ultrapassar os seus limites, a sua originalidade consiste em identificar as pretensões possíveis e os desejos latentes das pessoas, desejos esses dos quais as pessoas podem nem sequer ter consciência, desejos de produtos que ainda não existem. Quem possui este tipo de personalidade é tão competente como o lunático mas a sua competência, em vez de envolver uma coisa ou um ambiente, concentra-se nas outras pessoas-clientes de empresas de uma determinada industria ou de um sector da economia, um conjunto de clientes, um grupo de jovens utilizadores da Internet, provavelmente eleitores - e imagina novas maneiras de satisfazê-las e agradar-lhes. O indivíduo não está menos concentrado no que faz do que o lunático, mas a sua tarefa consiste mais em descobrir o que querem as pessoas e não tanto naquilo que um determinado ambiente pode proporcionar.
Não devemos confundir este talento com o do vendedor convencional. Estas pessoas têm produtos específicos para vender, e a sua tarefa consiste em convencer os clientes a compra-los. A sua arte-e trata-se verdadeiramente de uma arte (até um vendedor da banha da cobra possui uma arte)- consiste em saber como há-de convencer, como há-de jogar com as necessidades emocionais dos clientes, como há-de transformar um produto tangível em algo mais, acrescentando-lhe características intangíveis (como o fulgor, a atractividade sexual, a auto-estima, dos outros) que o cliente deseja para si próprio. Com a sua subtileza, com o seu poder de manipulação consegue o que pretende.
Mas a pessoa de que estou a falar, este segundo tipo de inovador criativo, não tem nenhum produto específico para vender. Como se sabe, cada vez mais os artigos podem ser produzidos por encomenda; os serviços podem ser personalizados, o software pode ser criado de acordo com as necessidades de uma determinada empresa. Em vez de convencer os clientes a comprarem uma determinada coisa, a tarefa deste inovador criativo consiste em imaginar aquilo que eles poderiam querer, se ela existisse, e em descobrir como tal coisa pode ser criada.
Em resumo: o LUNÁTICO apoia-se no seu enorme fascínio por um ambiente, uma tecnologia, uma ciência, uma arte visual, uma forma literária, um sistema de símbolos, com a sua lógica interna e as suas regras. Pelo contrário, o PSICÓLOGO apoia-se no seu fascínio pelas pessoas - os seus receios e aspirações, os seus anseios e necessidades, os seus pressupostos inexplorados. O psicólogo cria empatia, e o lunático analisa. O lunático compreende as hipóteses de inovar num determinado meio.
O psicólogo compreende os desejos e as necessidades das pessoas.
Jorge Neves
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