O que passo a expor, existe com bastante frequência em empresas com características de gestão familiar.
Há cerca de um mês, o Pereira da Silva, encontrou-se comigo para desabafar e pedir alguns conselhos acerca do que se estava a passar na sua empresa.
Dizia-me ele:
"Fui recentemente recrutado como gestor para uma empresa familiar. A minha chefe, a presidente para a área de marketing, é a mulher do CEO que também é o dono da empresa. Ela nunca frequentou a universidade, não tem qualquer experiência em marketing e, contudo, controla meticulosamente todos os colaboradores, incluindo nós que temos uma licenciatura específica para a função. Sei que muitos profissionais com talento saíram da empresa por sua causa e que ela despede qualquer um que discorda dela, com o total apoio do marido. Como poderei lidar com este nepotismo injusto?... Perguntava-me o Pereira da Silva."
Não quero ser problemático, mas onde é que estava o Pereira da Silva durante o processo de recrutamento para esse trabalho?
Pergunto isto porque parece ser um pouco tarde estar agora a descobrir essas informações que deveriam fazer parte da diligência de todos quando avaliam um emprego numa empresa familiar. Informações como: quantos primos querem a sua próxima promoção e se é fatal - ou apenas perigoso - discordar de familiares do CEO.
Não quero com isto dizer que se deve evitar trabalhar em empresas familiares. Estas organizações, que constituem uma parte significativa da economia, oferecem alguns dos melhores empregos em muitas áreas.
Mas quando se decide trabalhar num empresa familiar, tem de se compreender que se está a aceitar um negócio especial. E todos os negócios têm compromissos.
Com este, há um lado positivo. As empresas familiares dão-lhe um nível de cooperação e de informalidade que raramente se encontram em ambientes de grandes empresas, com culturas que são, na melhor das hipóteses pessoais e cordiais. Os colaboradores podem sentir-se como membros da família, não como números, e os gestores (como o Pereira da Silva), muitas vezes têm acesso directo aos accionistas e aos decisores. Pode mesmo sentir que faz parte do jogo.
Mas também existe o outro lado negativo, que é o caso do meu amigo Pereira da Silva. Porque quando entra para uma empresa familiar, especialmente se for pequena ou média, muita vezes desististe-se do processo de julgamento, por falta de uma expressão mais adequada, que "impõe" justiça nas organizações geridas profissionalmente.
Não quero com isto dizer que as empresas não familiares e de maior dimensão não têm a sua quota-parte de chefes arbitrários ou ameaçadores, ou que estão desprovidos de situações de favoritismo. Mas os controlos e as comparações na maioria das empresas de grande dimensão, tais como inquéritos à satisfação dos colaboradores e a "alta autoridade" dos RH, são são suficientes para dar aos colaboradores um sentimento de que é possível serem ouvidos durante situações de conflito.
O único modo de lidar com a ausência de julgamento nas empresas familiares é estar preparado. Mesmo se as coisas estiverem a correr bem, os colaboradores devem sempre ter uma estratégia de retirada. E se estiver a pensar juntar-se a uma empresa familiar como gestor, não avance se não negociar incondicionalmente um pacote de indemnização. Não é o caso do meu amigo Pereira da Silva. Ela diz que não tem contrato e diz que não se quer demitir. O meu conselho é que a sua única opção é adaptar-se. Tem de descobrir qual a melhor maneira de trabalhar com a esposa do CEO. Deve esquecer o nível de formação ou a falta dele - ela é de qualquer forma, a chefe do Pereira da Silva. Por isso ele deve abrandar o desejo de fazer mudanças ou de dizer abertamente o que pensa e dar-lhe uma oportunidade para ela o conhecer - e para confiar nele .
Sim, a diligência durante o processo de recrutamento poder-lhe-ia ter dado sinais de alerta e talvez pudesse ter evitado a confusão em que se meteu esse meu amigo. Creio que agora é tarde de mais para isso.
O nepotismo que o Pereira da Silva encontrou faz parte do negócio familiar.
O conselho que lhe dei foi para aproveitar os benefícios enquanto duram.
Jorge Neves
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