sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

LIDERANÇA PESSOAL - CULPA E ÓDIO









  Há alguns anos atrás, conheci o Pedro, cuja a história de vida nunca mais consegui esquecer. Dez anos antes do nosso primeiro contacto, o Pedro, acordou num hospital após um acidente de automóvel e soube que o irmão tinha morrido. Três dias depois, a polícia acusou-o de ter causado o acidente. Era ele que ia a conduzir, mas não se lembrava de nada acerca da viagem ou do acidente. Passou os dez anos seguintes sentindo-se culpado, colocando-se  todos os dias em julgamento pelo assassínio do irmão.
  Consequência do nosso trabalho em várias reuniões profissionais, Pedro confessou-me que tinha desperdiçado energia durante dez anos, ao manter-se numa prisão de auto-recriminação .Começou a perceber que nem ele nem a sua família, nem o seu trabalho, nem os seus amigos tinham beneficiado dessa situação. Depois de ter começado a aceitar as consequências do seu comportamento - negativismo, infelicidade e nada para dar aqueles que amava - nessa conversa, fechamos a porta e Pedro desatou a chorar. Chorou muito, deixando sair tudo aquilo que tinha mantido dentro de si até àquele momento. Era de partir o coração vê-lo a partilhar a sua dor. Naquela altura, decidiu verbalizar os seus sentimentos, expressando-os numa carta. Também decidiu visitar familiares com mais frequência, para poder partilhar a sua dor e a sua angústia com eles.
  Pedro escolheu confrontar as suas emoções e fazer tudo o que podia para analisá-las. Precisava de aliviar a culpa para poder ter mais para dar aos  irmãos, mulher, amigos e emprego. Precisava sentir, de escrever e de falar, para se livrar da dor e poder dar algo de positivo a si e aos outros. Sentir-se culpado é, muitas vezes, considerado um sentimento nobre, talvez porque o confundimos com assumir a responsabilidade pelas nossas acções. Até termos trabalhado a nossa culpa e nos termos reconciliado com os nossos valores, temos pouco para dar ao resto do mundo. Isto foi o que Pedro finalmente compreendeu.
  Se magoar ou matar alguém, é culpado? Para tentar responder a esta ou a qualquer questão semelhante, retomemos a ideia de que cada um de nós tem a responsabilidade pela sua vida. Se magoa outra pessoa intencionalmente, então tem de assumir  a responsabilidade por essa acção. Mesmo que estivesse enlouquecido no momento, cometeu um crime.
  Apesar de desespero que Pedro vivia, instintivamente a partir daquele momento tinha de encontrar uma forma de se perdoar. Começou a encarar que o que tinha feito e de reconhecer que nunca poderia ser desfeito, mas  ao mesmo tempo, também precisava de olhar para o jovem assustado e frustrado que se tinha feito. Encontrou uma forma de se confortar e perdoar, porque não havia mais ninguém para o fazer. Conseguiu dizer a ele próprio que tinha feito uma coisa terrível, mas sem intenção. Se tivesse continuado a recriminar-se e a encarar-se como uma espécie de monstro, teria ficado prisioneiro num labirinto de culpa e de censura, e mantendo o risco de repetir o que tinha feito.

  Ficar livre da culpa não significa recusar assumir a responsabilidade pelas nossas acções. Pelo contrário, implica reconhecer a responsabilidade a analisar cuidadosamente os nossos sentimentos de culpa, para alcançarmos a compreensão e o perdão.

  Perdoarmo-nos quebra o círculo vicioso, no qual a violência e o ódio por nós alimentam mais violência e ódio. Precisamos de aceitar a responsabilidade de sentir a nossa culpa, para podermos reviver e depois perdoarmos. Se chegamos à conclusão que o que fizemos foi errado, mas trabalharmos para nos perdoarmos, temos mais para dar, incluindo mais compaixão e empatia para com os outros. 
  Para sentirmos compaixão pelo mundo, precisamos primeiro de sentir compaixão para nós próprios.


  Jorge Neves


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